Estreia

Desbunde do Vivencial Diversiones está de volta

Quarenta anos depois, Henrique Celibi convoca novos atores para reviver o grupo anárquico

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 20/08/2015 às 5:27
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Menino pobre da Ilha do Maruim, Henrique Celibi tinha apenas 14 anos quando aquela nave espacial chamada Vivencial Diversiones estacionou ali perto, no Complexo de Salgadinho, em Olinda. “A praia de Del Chifre era limpa e tinha acesso fácil, todo o elenco frequentava”, lembra ele que, bronzeado como os outros, logo estaria na trupe. “Quando a polícia chegava para dar batidas, eu fugia pelo fundo falso de um armário encostado na parede”, conta o antigo mascote do coletivo teatral que elevou o desbunde à arma de subversão da política dos coturnos e da moral do sexismo mais conservador no final da ditadura.


Antes de o Vivencial estrear oficialmente, em fevereiro de 1979, Celibi viu sua mãe, subitamente, morrer. “Aí, fui adotado como parte da família”, diz o menino, que fazia a plateia vir abaixo com o famoso cover da cantora Maria Bethânia entre os muitos esquetes.

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Mais de 40 anos depois, o filho de dona Maria José Machado ressuscita a trupe de forma dupla: com um espetáculo e um novo cabaré. Hoje, tem inicio a breve temporada de quatro apresentações do espetáculo  Cabaré Diversiones, um elenco formado por alguns raros e preciosos remanescentes e novos integrantes da versão “4G” do Vivencial.


O espetáculo passa a curprir curta temporada no Hermilo. “Ivonete (Melo, atriz e antiga ‘viveca’) me sugeriu inscrever o espetáculo no Prêmio de Fomento às Artes Cênicas da Prefeitura do Recife e ganhamos a pauta”, conta Celibi que, entre embalagens, plásticos, panos e muito lixo reclicado, no melhor espírito guerrilheiro do grupo, já gastou mais de R$ 10 mil do próprio bolso para colocar o espetáculo em cena outra vez.


CASARÃO
O Hermilo é apenas a sede, é bom que se lembre, da temporada. Com o apoio de Guilherme Coelho, o antigo ideólogo, ex-seminarista e professor de filosofia do grupo mais heterogêneo que o teatro brasileiro conheceu, Celibi ocupou um antigo e gigantesco casarão abandonado no Recife Antigo. “Já temos a posse provisória da Prefeitura e estamos negociando as dívidas para conseguir transformar o lugar no novo Vivencial”, ele diz.
Na onda de comemorações das quatro décadas, o novo Vivencial surge, naturalmente, catalizado pelo estrondoso sucesso de Tatuagem, o filme de Hilton Lacerda que conquistou, entre outros, o prêmio de Melhor Filme no Festival de Gramado de 2013. “Criou-se um grande folclore, muito barulho”, admite Celibi, agora responsável por, além de atuar, fazer a direção geral, a trilha sonora, o figurino, a cenografia, a direção de arte e (ufa!), preparar o elenco para o Cabaré.


De veteranos, o coletivo conta com Sharlene Esse – transformista responsável pela mimese impagável de uma Gal Costa icônica e pós-tropicalista. Mas o elenco formado por Carlos Mallcom, Cássio Bomfim, Carol Paz, Cindy Fragoso, Filipe Enndrio, Flávio Andrade, Ítalo Lima, Robério Lucado e Ágatha Simões é basicamente de gente nova.
“Não queria chamar gente com esse ranço do teatrão. Chamei dois atores profissionais, e eles disseram logo que não queriam fazer nudez”, diz o autor de marcas do humor pernambucano recente, como a personagem Cinderela, o maior fenômeno de público dos anos 90 que resultou no programa homônimo da TV Jornal, líder há anos em sua faixa de audiência.


“É muito curioso um personagem tão querido, um transgênero tão querido em plena TV aberta”, comenta. Do novo elenco, Cássio Bonfim, por exemplo, é estilista e performático em 25 das 24 horas diárias. “Celibi viu minhas atitudes nas festas e nas redes sociais e me chamou. Vou fazer esse espetáculo excitado”, diz. “Literalmente”, gargalha.


Processando prerrogativas como reciclagem material, responsabilidade social, teologia da libertação, liberdade sexual e de expressão, o novo Vivencial reedita e amplia números e esquetes do antigo. Baseado sobretudo nos derradeiros espetáculos Repúblicas Independentes, Darling e Bonecas Falando Para o Mundo, os quadros vociferam textos de Carlos Eduardo Novaes, Glauco Matoso, Fernando Pessoa, Luiz Fernando Veríssimo e Guilherme Coelho, mentor do grupo com a colaboração do irmão e também integrante do Vivencial, Fábio Coelho.


De intelectuais a excomungados da sociedade, como o travesti analfabeto ou o militar que virou transformista, o Vivencial acolhia todo mundo. Alguns desses personagens virão também à tona. “Tinha o caso de uma travesti que, toda vez que via o homem dela na plateia com outra, esquecia o texto, parava de performar e ia dar um baile na outra. O público não sabia se era verdade ou teatro, e o mundo vinha abaixo”, comenta o agora ator Cássio Bonfim.


Se o mundo ficou mais careta para a voragem do grupo, Celibi dá de ombros. “Nunca nos importamos com isso. Aliás, a gente não discutia, ia lá e fazia”, diz o agora veterano artista de pele bem mais clara que a daquele garoto bronzeado que encontrou no Vivencial uma nova família.

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