Certos artistas têm obras tão emblemáticas que atravessam gerações, sobrevivendo ao (cruel) efeito do tempo. Com a capacidade de dialogar com o que há de mais profundo – e também singelo – do espírito humano, eles são alçados a um posto quase de entidades. No Brasil, um dos grandes exemplos dessa classe de criadores é Milton Nascimento. O carioca de nascimento e mineiro de criação e coração tem um catálogo que transita por diferentes estados de espírito individuais e também coletivos. Prova dessa força é a coesão do musical Milton Nascimento – Nada Será Como Antes, que ganha sessão gratuita, sábado (8), às 19h, no Cais da Alfândega.
Criado em 2012 para celebrar os 70 anos do cantor e compositor, assim como suas cinco décadas de carreira, o musical tem a assinatura da dupla Charles Moëller e Cláudio Botelho, responsável pelo recente boom dos musicais no Brasil. Para homenagear o legado de Bituca, como é carinhosamente chamado o cantor, eles seguiram caminho semelhante ao de outra obra, Beatles Num Céu de Diamantes, na qual não há dramaturgia em texto. Toda a narrativa é desenvolvida única e exclusivamente a partir das canções.
O repertório vasto de Milton Nascimento facilitou essa trabalhosa empreitada. Dessa forma, a montagem é estruturada em quatro blocos aludindo às estações do ano. No primeiro quadro, a primavera, têm destaque as canções de natureza naif, aludindo à natureza e às coisas simples da vida, a exemplo de Cigarra, Paisagem da Janela, O Trem Azul e Clube da Esquina.
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Já o verão alude às relações interpessoais, à paixão e à sede de viver, com percussões mais marcantes. Maria, Maria, Lua Girou e Raça são alguns dos destaques deste bloco. O outono agrupa as canções de cunho político e ligados ao abandono, como Coração de Estudante e Encontros e Despedidas. Por fim, o inverno aborda a transitoriedade da vida, através de músicas como Credo, Oração, Travessia e a faixa-título, Nada Será Como Antes.
“O espetáculo não tem roteiro, mas é marcado por histórias. O cenário é uma casa de interior de uma fazenda mineira atemporal e, apesar de se tratar apenas de uma sugestão, pressupõe-se que os personagens são da mesma família. É uma ambientação que remete a um encontro para tomar um café e jogar conversa fora, um cenário que transmite muito as sensações evocadas pelas músicas de Milton”, afirma Jules Vandystand, ator, assistente de direção e arranjador vocal do espetáculo.
Ele e mais doze artistas dividem-se em cena, onde cantam, interpretam e tocam instrumentos musicais.
“Foi uma decisão dos diretores, desde o início, fazer com que elenco e banda fossem a mesma coisa. Isso acabou sendo muito rico para a produção, porque a criação se tornou de alguma forma coletiva”, explica.
APORTANDO NO CAIS
O sucesso da montagem desde sua estreia fez com que a obra ficasse por muito tempo em cartaz no eixo Rio-São Paulo, acumulando um público de mais de 400 mil pessoas. Nos últimos meses, porém, o espetáculo tem circulado o país, sendo apresentado em espaços públicos.
“O teatro musical ainda é uma arte elitizada, geralmente registrada a um mesmo eixo geográfico. Portanto, tem sido uma felicidade podermos circular com essa obra. Fizemos uma temporada por cidades mineiras, agora estamos pela primeira vez no Nordeste e nesta caminhada pudemos perceber ainda mais a força da obra de Milton. É muito emocionante ver a recepção das pessoas, como aquelas canções tocam a todos, independente da idade, da condição financeira. No fim, estão todos cantando junto Maria, Maria, Coração de Estudante. É uma sensação muito forte”, reforça Jules.