Africanidades

Peça 'Black Off' abre o 27º Feteag com crítica ao racismo

Trabalho da sul-africana Ntando Cele ganha sessão no Teatro Hermilo Borba Filho

JC Online
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Publicado em 18/10/2017 às 12:17
Janosch Abel/Divulgação
Trabalho da sul-africana Ntando Cele ganha sessão no Teatro Hermilo Borba Filho - FOTO: Janosch Abel/Divulgação
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Desconstruir a narrativa hegemônica pautada no discurso eurocêntrico e patriarcal é uma luta constante dos grupos historicamente oprimidos. Construir uma história plural, respeitando as diferentes vivências, é um projeto necessário e urgente. Em sua 27ª edição o Festival de Teatro do Agreste (Feteag) parte deste princípio e põe em discussão a questão da negritude a partir da temática Africanidades. Simbólico, portanto, que inicie sua programação com o potente Black Off, da sul-africana Ntando Cele, hoje, às 20h, no Teatro Hermilo Borba Filho. Na sexta, ela leva a obra ao Teatro Rui Limeira Rosal, em Caruaru.

Combinação de dois trabalhos de Ntando, Face Off e Black Notice, a peça faz uma crítica ácida ao racismo institucionalizado, revelando os mecanismos perversos desse sistema de opressão. Na primeira parte da encenação, com o rosto pintado de branco, a atriz assume o alter ego Bianca White, comediante e filantropa que julga saber tudo sobre os negros. Sua missão? Ajudá-los a “se livrar da escuridão interior”.

“Bianca é uma junção de pessoas reais e fictícias. Ela fala todos os tipos de coisas inapropriadas do jeito mais simpático possível: piadas sobre negros, estereótipos e a boa e velha ignorância (branca)”, explica. “O espetáculo foi criado para encontrar uma forma de falar sobre a claustrofobia de viver e viajar ao redor da Europa enquanto mulher negra”.

No segundo momento da apresentação, sem maquiagem, ela revela sua subjetividade enquanto intérprete e mulher negra. “É quando lido com minha percepção sobre a minha pele, criando imagens sensíveis, violentas e abstratas que ajudam a realçar os absurdos provenientes do preconceito”, reforça.

Nesta parte da encenação, ela é acompanhada por uma banda e faz uso de projeções que amplificam as questões do corpo na cena. Uma forma, segundo ela, de observar o assunto por ângulos que ela não havia visto antes.

LENTE DE AUMENTO

“O audiovisual torna as questões pessoais e ao mesmo tempo universais, porque, de perto, somos todos iguais. A música também tem o efeito de aproximar as pessoas e amenizar o momento. Nas canções, você pode ‘simplificar’uma mensagem e ao mesmo tempo fazê-la mais forte”, acredita.

Para Ntando, uma das principais revelações, enquanto intérprete, trazidas pelo espetáculo foi o fato de que não há modo educado de se expor injustiças.
Circulando o Brasil (ela apresentou o trabalho, entre outros lugares, na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo), a atriz diz ter tido contato com produções de artistas afrodescendentes e percebe experiências compartilhadas.

“Minha impressão é de que a chamada experiência negra é a mesma em todos os lugares, especialmente quando se trata das artes. O fato de haver uma distinção entre teatro ‘normal’ e ‘teatro negro’ implica que se precisa de uma plataforma especial. Penso que este assunto só será resolvido quando não houver mais distinção. Certa vez, alguém me perguntou que direito eu tinha de falar sobre esses assuntos se não vivo mais na África. Ainda há um ressentimento quando os negros estão viajando por conta própria e não apenas como enviados para servir. Mas, em geral, a resposta aqui é esmagadora e é sensacional ver as reações dos brasileiros. De certa forma, me dá a afirmação de que o tema do preconceito é universal e existe em todos os lugares do planeta”, reforça.

INCENTIVO

A vinda da obra de Ntando ao Brasil contou com o apoio da Pro Helvetia, instituição do governo suíço que tem como objetivo fortalecer diálogos entre cenas culturais distintas. Intitulado Coincidência, o programa parte de Bogotá, Buenos Aires, Santiago de Chile e São Paulo, mas as obras podem ser levadas a qualquer cidade da América do Sul.

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