Musical

O estranho fruto de Billie Holiday chega ao Recife

Com impressionante atuação e voz da atriz Lilian Valeska, premiado musical sobre a vida da estrela do jazz cumpre temporada na Caixa Cultural

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 22/11/2017 às 21:12
Andrea Rocha - Divulgação
Com impressionante atuação e voz da atriz Lilian Valeska, premiado musical sobre a vida da estrela do jazz cumpre temporada na Caixa Cultural - FOTO: Andrea Rocha - Divulgação
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Por volta dos 20 anos, ela furava a barreira da segregação racial norte-americana, e soltava a voz no meio das orquestras de brancos. Sob a regência de Artie Shaw e Count Basie, era já uma das vozes mais comoventes do jazz. Aos 11, tinha sofrido seu primeiro estupro. Aos 13, por determinação da mãe abandonada pelo pai quando era ainda adolescente, se prostituiu pela primeira vez. Com menos de 40 dias para se preparar, a atriz e cantora carioca Lilian Valeska recebeu o convite para reconstruir, em cena, a trajetória da mulher que, ao lado de Sara e Ella, sintetizaria a excelência do canto ocidental.

"O medo foi muito grande, muito. Mas dizer não era muito difícil. Quase impossível. Eu não poderia dizer não para um gênio mundial como Billie Holliday”, lembra, por telefone, a atriz, do Rio de Janeiro, horas antes de embarcar para o Recife onde, de hoje a sábado, ela protagoniza uma concorrida minitemporada do musical Amargo Fruto – A Vida de Billie Holiday,no teatro da Caixa Cultural. Há dois anos, por onde passa, o espetáculo vem colecionando lágrimas, suspiros, prêmios e aplausos ao contar, em uma hora e meia, a conturbada biografia de Eleanora Fagan Gough.

Com prêmios como um Shell de Melhor Direção Musical no currículo, o espetáculo tem no mimetismo de Lilian Valeska seu impressionante ponto de estrutura. Veterana de grandes musicais brasileiros, como o espetáculo sobre a vida de Tim Maia e o clássico Ópera do Malandro, a atriz e cantora conhecia com pouca intimidade a vida e a obra de Billie quando recebeu, às vésperas da estreia, o convite dos produtores de Amargo Fruto. Com um mês para internalizar sua personagem, não teve tempo de ler biografias ou se deter sobre as raras imagens da estrela. “Em sua época, eram raros os registros em vídeo. Ela, inclusive, aparece muito pouco no famoso documentário The Ladies sing the Blues. Não tinha referências sobre seu jeito, sua maneira de se movimentar. Sou, musicalmente, uma preta bem brasileira, da MPB. Conhecia poucas coisas de seu repertório, como Summetime e Night and Day, que eu conhecia mais, inclusive, de outras interpretações além da de Billie”.

Até a assimilação da língua pátria da estrela era entrave a ser vencido para incorporar o repertório de cerca de 20 canções. “Eu não era fluente em inglês, tive que fazer aulas às pressas. Foi um mês de dedicação total, diariamente”, conta. Depois das aulas com a professora Alma Thomas, ela ouviu que não tinha que depender do acompanhamento da orquestra, tinha que, à capela, internalizar as canções. “Sophisticated Lady, por exemplo, é uma canção muito difícil. Não conseguia acompanhar aquela melodia, que vai para um lado, a inflexão vai para o outro. Mas eu tinha que fazer, que confiar na canção”.

Lilian Valeska tem arrebatado suas plateias justamente porque, ao desistir de mimetizar a estrela controversa, resolveu se valer de sua impressionante semelhança física para construir a sua Billie. Uma Billie plausível em seus recursos. “Eu procuro internalizar o máximo que posso. Mas as músicas na voz dela tem um tom metálico, que sai pelo nariz. Tentei fazer, mas ficava feio”, diz ela, hoje no ponto de inflexão possível entre as duas personalidades vocais: “Eu tentei interpretar mais no suspiro, no deboche, não fui mais nessa onda de tentar imitar o timbre dela, porque eu tenho a voz mais aguda que a dela. Os arranjos são super bonitos, têm o rebuscado da época. Pedi para manter, aí ficou com a coloratura mais próxima dela”.

HEROÍNA

A atriz no palco revive a cantora dos onze anos de idade, quando sua vida “adulta” é inaugurada com um estupro, até a morte, em 1959, quando descobriu uma cirrose hepática pelos anos de diligente alcoolismo temperado com heroína. Internada no Hospital Metropolitano de Nova York, Billie receberia um mandado de prisão em pleno leito pouco antes de morrer de edema pulmonar e insuficiência cardíaca. Buscar pontos de convergência biográfica não foi também tão simples para a atriz e sua personagem.
“Sou uma pessoa solar, e nada dada a bebida. A própria embriaguez era um estado difícil de eu conseguir internalizar. Não fumo, não cheiro”, diz Valeska, absorvida pela humanidade de Billie.

“Minha convivência com ela, no palco, mudou muito minha maneira de entendê-la. Tem uma cena em que ela, logo depois de ser estuprada com pouco mais de dez anos, é levada para um reformatório por reclamar de ter sido abusada, por reclamar de um abuso em relação a uma mulher de raça negra, considerada inferior, que era tido quase como normal. Aí, você vai entendendo um pouco da bebidice (sic), da heroína, pelos maridos violentos, por ter sido prostituída pela mãe. E ela saboreava a vida, os poucos prazeres que a vida lhe deu, com seus músicos, ensaiando, ou em cima do palco. Também sou cantora, e parte das minhas alegrias estão no palco”.

Amargo fruto - A vida de Billie Holiday, na Caixa Cultural Recife, Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife. Fone: 3425-1915. Quinta e sexta (23 e 24), às 20h. Sábado, às 17h e às 20h. Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$5 (meia). 12 anos.

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