Decisão

Após polêmica, governo cancela exibição de peça com Jesus travesti no FIG

Cancelamento da peça 'O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu', que seria no dia 26 de julho, foi divulgado pela Secretaria de Cultura neste sábado (30)

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Publicado em 30/06/2018 às 14:34
Ligia Jardim/Divulgação
Cancelamento da peça 'O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu', que seria no dia 26 de julho, foi divulgado pela Secretaria de Cultura neste sábado (30) - FOTO: Ligia Jardim/Divulgação
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Com a polêmica criada pela exibição da peça "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" no Festival de Inverno de Garanhuns, o Governo do Estado divulgou neste sábado (30) uma nota informando o cancelamento da apresentação do espetáculo. Na nota, a Secretaria de Cultura de Pernambuco afirmou que "diante da polêmica causada pela atração e da possibilidade de prejuízos das parcerias estratégicas e nobres que o viabilizam. O Festival de Inverno de Garanhuns foi criado para unir e divulgar nossas expressões culturais e não para dividir e estimular a cultura do ódio e do preconceito".

Procurado pela reportagem do JC, o secretário de Cultura afirmou: "O tema do festival este ano é um tema de luta. Já perdemos várias e ganhamos outras. O tema será mantido e esperamos um apoio da sociedade porque a liberdade está mais necessitada do que nunca de defesa".

Em sua página no Facebook, Marcelino Granja critica "a intolerância" demonstrada por aqueles que se manifestaram contra a apresentação do Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, liderada pelo prefeito de Garanhuns, Izaías Régis (PTB), que, em entrevista à Rádio Jornal de Garanhuns, disse que não permitiria que o espetáculo fosse apresentado no Centro Cultural Alfredo Leite Cavalcanti, embora a intenção dos organizadores fosse apresentá-lo na Casa Galpão, um espaço alternativo com capacidade para 70 pessoas, com censura 18 anos e no horário alternativo das 23 horas.

Nesta sexta (29), o prefeito de Garanhuns, Izaías Régis, inflamou a polêmica ao afirmar que não abriria as portas do Centro Cultural da cidade, no próximo dia 26 de julho, para a apresentação. Segundo o prefeito, o espetáculo, que faz uma releitura de Jesus vivendo nos dias atuais como uma travesti, é uma ofensa a grupos religiosos.

"Não temos nada contra os transexuais, mas isso é uma coisa que atinge o cristianismo, as pessoas, as religiões. Eu falei por telefone com Marcelino Granja [secretário de cultura do Governo do Estado] e disse que não permitiria que apresentassem a peça no Centro Cultural", afirmou o prefeito, enfatizando que sua colocação "é a mesma que nós estamos vendo nas redes sociais de Garanhuns e do Brasil todo".

Márcia Souto, presidente da Fundarpe, órgão responsável pela execução do FIG, afirmou que, diante das ameaças às parcerias, o governo optou por "preservar o espírito do festival". "Vamos debater esses temas nesses tempos difíceis de intolerância. Não discutir apenas esse fato isolado. Precisávamos garantir o sucesso do Festival de Inverno de Garanhuns e o espaço que oferece aos artistas e o acesso à população aos grandes espetáculos que proporciona, como um festival aberto, participativo, com uma curadoria que ouve vários atores", disse. "Esperamos que esse episódio não macule o festival. Temos que defender mais ainda o princípio da liberdade, principalmente dos artistas, que precisam dela para se expressar".

O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu foi apresentada no início de junho no Recife, dentro do Trema! Festival de Teatro. A apresentação no Teatro Apolo foi lotada e a performance de Renata Carvalho, ovacionada. O monólogo propõe uma reflexão sobre a tolerância e o respeito às diferenças a partir da questão seguinte questão: "E se Jesus voltasse à terra como uma travesti?". A obra prega o amor e a tolerância e busca dar visibilidade às vivências trans, quebrando estigmas e lutando contra o ódio que faz do Brasil o país que mais mata LGBTs no mundo,.

"Mais uma vez somos censurados num país que prima pela liberdade de expressão e se diz democrático. Disseram que se nós nos apresentássemos não haveria mais espaço para nenhum outro espetáculo se apresentar, comprometendo todo o festival. O festival então resolve cancelar nossa participação. Tudo isso se deve porque nós representamos Jesus num corpo travesti. O problema, o ódio que move todo esse povo é a imagem que ele tem da travesti, a construção social  e a criminalização dessa imagem do travesti, a folclorização dessa imagem. Porque Jesus é a imagem e a semelhança de nós todos, menos de nós travestis. É inapropriado, é sexualizado, é fetichizado, é sem-vergonhice. A nossa sexualidade não é válida, não é legitimada. E é disso que o espetáculo fala.  E fala também de tolerância, de amor", comentou a atriz Renata Carvalho.

NOTA

O gabinete da Prefeitura de Garanhuns divulgou na noite do sábado (30) uma nota sobre o cancelamento. No texto, o prefeito Izaías Régis manifesta sua "satisfação" com o cancelamento da apresentação, nega que o protesto aconteça por conta de disputas políticas (Izaías apoia o candidato de oposição ao governo de Pernambuco, Armando Monteiro) e diz que não é contra a liberdade de expressão, apesar da pressão para o cancelamento. Confira a nota completa:

"O Governo Municipal de Garanhuns, na sua representação oficial o prefeito Izaías Régis, vem a público manifestar sua satisfação de ver que o clamor da sociedade de Garanhuns num pedido expresso de respeito à fé cristã, que foi transmitido para todo o Estado a partir de uma entrevista sua a uma emissora de rádio, reforçado pela população nas redes sociais, bem como ratificado por instituições religiosas que externaram o seu posicionamento, tenha sido ouvido pelo Governo do Estado de Pernambuco, culminando com a suspensão da apresentação em Garanhuns, do espetáculo 'O Evangelho segundo Jesus - a Rainha dos Céus'.

Lamentamos, portanto, que o Governo Estadual, tenha tentado desvirtuar o fato, querendo relacionar a questões políticas. A figura institucional, o Prefeito Izaías Régis, é a representação oficial da população de Garanhuns, e essa representividade legal a ele outorgada por meio do voto, foi usada para se posicionar, colocando-se não contra a liberdade de expressão artística, mas sim contra a que essa liberdade não viesse a desrespeitar nenhum símbolo sagrado de uma religião, e de todos os seus seguidores.

O que não podemos deixar de ressaltar é que infelizmente, esse tipo de situação ocorre, porque o Festival que é de Garanhuns, é discutido e formatado sem nenhuma participação do povo de Garanhuns. Mas, sigamos, que tenhamos um Festival de Paz e que Deus continue nos abençoando." Gabinete do Prefeito

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