Patrimônio

Zé Santeiro não perdeu a fé

Na semana do seu aniversário de 83 anos, o maior colecionador de arte sacra do país não sabe o que será do futuro do acervo de trê mil pessoas que guarda em casa

Beatriz Braga
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Beatriz Braga
Publicado em 29/07/2012 às 8:42
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Na semana do seu aniversário de 83 anos, o maior colecionador de arte sacra do país não sabe o que será do futuro do acervo de trê mil pessoas que guarda em casa - FOTO: NE10
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De pele morena escura, José dos Santos bate à porta. Ele sabe que, naquela casa, se guarda uma relíquia. Barro, pedra-sabão, cristal ou pintura. Ele sabe mais do que o dono do trinco que aquela peça é uma raridade. De campainha em campainha, conheceu gente e o Brasil. De um lado José, do outro, a pessoa que venderia a obra.

Se o leitor crê em dom, o homem que se tornaria o conhecido Zé Santeiro nasceu com ele. Talento para reconhecer peças autênticas, convencer e salvar raridades da destruição. Hoje, José está com 83 anos, completados na última quarta- feira, e sua casa abriga mais de três mil peças. Em cada obra, uma história. Em todas elas, marcas da arte sacra brasileira, tendo o Nordeste como ponto de partida. Há 68 anos, Zé Santeiro começou um trabalho para cultura pernambucana. Há dez, ele luta para conseguir transformar seu acervo em Museu.

A trajetória começa quando, ainda adolescente, Zé trabalhava como restaurador de peças antigas. O hábito tomou o homem de sorriso largo, tornando-se sua sina. Filho de pai agricultor, hoje é pai de seis e é parceiro, no melhor sentido da palavra, da mulher que acolheu milhares de peças que entravam pela porta, sua esposa Nadja.

Zé rodou o país e achou relíquias em moradias de rico, pobre, escondidas e maltratadas. Por natureza e por amor, Zé Santeiro é o guardião da cultura barroca do País. Mais tarde, erguendo seu próprio antiquário, ele soube escolher para si as mais importantes raridades que cruzaram o seu caminho.

INCERTEZA

A história do provavelmente maior colecionador do País tornou-se, também, um conto de desrespeito. A cordialidade de Zé Santeiro e sua mulher pode até não denunciar. Quem entra no museu particular do casal só sai quando prova da cozinha e é impossível não se deixar levar por um pouco da emoção. São infinitas obras reunidas em mesas e prateleiras.

Elas foram vistas por vários representantes do governo, atual e passado, que prometeram projetos. No entanto, o carinho que guarda as obras de Zé Santeiro não esconde o modo como o patrimônio é tratado pelo Estado. O homem, que tanto lutou pela cultura da sua terra, não deveria ter tanto esforço para fazer com que a memória que guarda dos séculos 17 a 19 seja reconhecida.

Quando é questionado sobre o futuro do seu museu particular, Zé Santeiro fala como se falasse da sua vida. 

Eu não quero dividir as peças, mas, aos 83 anos, tenho que fazer alguma coisa

Zé Santeiro

Se nos corações de Zé e Nadja, que há 46 anos acompanha suas barganhas por obras e hoje fala com propriedade de especialista, não tem espaço para mágoas. Quem grita, no reduto em pleno bairro das Graças, são seus filhos em forma de Cristos, Virgens Marias, candelabros, oratórios e altares.

"“Quem entra aqui fica louco”", conta Zé. Não sabe bem o que é museu, o que é casa, o que é sonho e o que se tornará realidade. Em 2007, o deputado Antônio Moraes (PSDB) chegou a sugerir a criação de um museu com a coleção do recifense. A resolução, no entanto, não deu em nada e a questão continua uma incógnita.

CONTRAMÃO

Nos anos 1970, o Governo da Bahia enviou uma carta à viúva do pernambucano Abelardo Rodrigues, outro grande colecionador de arte sacra, propondo transformar o acervo pessoal do falecido em um museu. Até então omisso, o governo pernambucano tentou impedir. O resultado da briga está na Bahia, no museu que leva o nome do antigo dono das peças.

O ano era 1975 e um conjunto de 762 obras foi comprado por três milhões de cruzeiros. Zé Santeiro, que tinha em Abelardo um grande cliente – vendeu ao baiano 40% do acervo disputado – participou da quebra de braço. “"Até uma amizade perdi porque fui contra.

Leia a matéria completa no Caderno C deste domingo (1).

 

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