Reunidas na exposição Suturas, inaugurada nesta quinta-feira (17/9), às 19h, na Galeria Amparo 60, há obras que foram publicadas em dois livros do fotógrafo pernambucano Gilvan Barreto (Moscouzinho e Sobremarinhos) e também por obras inéditas. Mas não há uma delimitação clara entre elas na primeira individual do artista na galeria. Pelo contrário: elaborada com curadoria de Eder Chiodetto, a mostra ressalta certas características, temáticas e técnicas, que entremeiam o caminho do artista e vão se desdobrando durante o percurso.
Das conversas iniciais entre fotógrafo e curador, Gilvan lembra de ter falado sobre o material dos três livros, dito que eles eram muito recentes, e também que havia muita coisa guardada. "Dei liberdade a ele. Comentei que via ali algo sobre os ciclos da vida, uma tentativa de guardar memórias", cita o pernambucano.
Foi assim que Eder, que no começo pensou estar sendo chamado para compor uma exposição com o ensaio Sobremarinhos, descobriu que a proposta era outra. "Quando soube que era algo mais aberto, achei ótimo, adoro quebrar caixinhas. Fiz um exercício de embaralhar tudo e ver onde estava o supra-sumo daquilo tudo. Como uma história se desdobra na outra, tanto formal quando conceitualmente", recorda o curador.
Moscouzinho (2012), O livro do Sol (2013) e Sobremarinhos (2015) formam uma trilogia. Do último, chega à exposição, em uma leitura inicial, o diálogo de Gilvan com O Estrangeiro, de Albert Camus - livro que o fotógrafo foi buscar na adolescência, movido pela curiosidade após escutar The Cure, e que retornaria à vida dele algumas vezes.
O pequeno peso de chumbo que estampava a capa de Sobremarinhos ressurge em Suturas como uma grande peça tridimensional. "No livro, Camus fala muito de culpa, do mar também, e eu escolhi representá-la com um peso de chumbo usado na pesca. Agora fiz uma culpa maior, dessas bem pesadas (risos)", explica o fotógrafo.
O peso, coisas que flutuam, a pele, as páginas, o vermelho-sangue são elementos com os quais podemos construir metáforas sobre a culpa, a leveza, o corpo, a vulnerabilidade, a passagem do tempo. Assim como a própria viagem passa a ideia de transição.
O viajante-Gilvan caminha para o interior, para o humano - por isso, outras pessoas também podem enxergar naquelas imagens suas próprias experiências.
À ideia da sutura, ele remeteu com as costuras presentes em muitas obras, que ele descreveu desta maneira: "Uma linha vermelha que, simbolicamente, busca a cura. São fotografias e colagens que simbolizam um procedimento cirúrgico bruto. Uma anatomia irregular, assimétrica, possível".
As obras de Gilvan são ricas em camadas, sejam elas materiais (construídas com a sobreposição de imagens, papéis, linhas e peças metálicas) ou no que se refere aos sentidos extraídos, pouco a pouco.
Algumas destas camadas são formadas por palavras, que Gilvan suprime, recorta, reagrupa ou mesmo marca na própria pele – caso da fotografia pela qual se lê a frase "coroa de flores", escrita com a máquina de tatuagem nas costas do artista. Sem tinta, legível pelo vermelho do próprio sangue. Esta obra dialoga com uma série exposta na galeria, em que textos e desenhos relacionados ao velório do pai de Gilvan são vistos sobre folhas de papel amarelado.
"Suturas é costura interior. Fotografia dos olhos para dentro. Estado de entropia que especula sobre densos embates interiores e que, assim, se transforma em códigos universais", afirma Eder em determinada parte do texto que escreveu para a exposição.
"O que é infinito? O que é a ideia de finitude? Como respostas para isso não há, a gente faz poesia", afirma Eder Chiodetto.
O curador trabalhou por 13 anos com fotojornalismo (sendo quatro anos como repórter-fotográfico e nove como editor, na Folha de São Paulo). Na época, chegou a passar uma pauta para Gilvan, que também atuava nesta área. Anos depois, os dois se reencontram no circuito artístico.
"Como curador, me interessa pesquisar sobre artistas que fazem este trânsito entre questões objetivas e as subjetivas, que buscam por um aporte mais sensorial. Para narrar questões subjetivas, que não são do campo do visível, eles precisam ferir alguns códigos da fotografia clássica", analisa o curador.
Ele cita uma linha de trabalho que pode ser exemplificada pela construção da mostra coletiva Documental Imaginário (Oi Futuro Flamengo, Rio de Janeiro, 2012). "Quando vi Moscouzinho, foi uma grande alegria. Se conhecesse antes, provavelmente este trabalho de Gilvan também estaria na mostra. É uma história de cunho familiar, bastante emotiva, mas ele também fala de outras coisas, da cidade. Ele vai cavando este lugar com bastante propriedade", conclui Eder.
