Natal do JC

Artista plástica Dani Acioli ilustra a capa de Natal do Jornal do Commercio

Sob a perspectiva feminina, a pernambucana de traços incisivos nos presenteia com um olhar de contemplação e generosidade

Mateus Araújo
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Mateus Araújo
Publicado em 25/12/2015 às 0:00
Foto: André Nery/JC Imagem
Sob a perspectiva feminina, a pernambucana de traços incisivos nos presenteia com um olhar de contemplação e generosidade - FOTO: Foto: André Nery/JC Imagem
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Dani é Maria, Tarsila, Iemanjá, Oxum; é da Conceição, do Carmo, as conhecidas e as anônimas. Dani é loira, ruiva, negra, branca e índia. Dani é uma só e muitas, ao mesmo tempo. Artista cujos traços curvos e cheios de linhas dedicam-se a desenhar e colorir as tantas mulheres que nos formam, a pernambucana Dani Acioli é a convidada deste ano para ilustrar a tradicional capa de Natal do Jornal do Commercio. Nesta obra sem título, e desenhista faz da sua arte uma mulher de muitas vozes para celebrar o nascimento: a voz da autora e de todos nós.

Veja a ilustração de Dani Acioli, especial para a edição de Natal do JC, em versão animada:

Posted by Jornal do Commercio on Sexta, 25 de dezembro de 2015

A ilustração com que Dani nos presenteia neste fim de ano ergue-se por um olhar de contemplação e generosidade. Mulher de crença livre, que acredita no amor acima de qualquer dogma, a artista plástica diz que transpôs à sua criação o amor que tem pela verdade das simplicidades do mundo e, dessa forma, recriou ao seu modo a cena histórica e mítica do milagre da vida celebrada pelos cristãos neste dia 25. “Eu quis sair logo desse pré-conceito da história. Doei-me para estar no lugar de quem tem a fé e colocar ali esse olhar”, explica Dani Acioli.

O desenho, feito à mão com nanquim sobre papel canson e, em seguida, colorido digitalmente, reproduz a manjedoura com o Menino Jesus recém-nascido ladeado por Maria e José e pajeado pelo arcanjo que, na leitura de Dani, é uma mulher. “Eu queria que o anjo fosse uma ‘anja’, porque fico pensando como é a imposição masculina na nossa vida, sempre. Vivemos na sociedade com regras e maneira ditas pelos homens, quase um manual de conduta masculino”, explica a ilustradora. “Então, essa função da anunciação penso que tinha que ser feita por uma mulher, pela cumplicidade feminina diante de uma situação tão complicada que era a de Maria. Queria que a tarefa de anunciar fosse de cumplicidade e afinidade.”

ELAS

A presença dos traços de Dani Acioli na capa de Natal do JC corrobora um ano em que o protagonismo feminino foi destacado, discutido e, felizmente, guinou à visibilidade merecida numa sociedade ainda cheia de preconceitos. É por esse viés que se diferencia o olhar de Dani para a releitura do Natal. Dona de obras imersas no universo feminino, a pernambucana trouxe para sua criação a perspectiva materna do nascimento de Cristo. “Jesus, José e Maria estão dentro do útero e o cordão umbilical os liga à natureza e a tudo que veio antes e depois daquele momento”, destaca ela, que na sua arte faz das mulheres um reconhecimento de si, do mundo em que vive, o universo que está em luta no sentido bom de posicionamento, de ser, de se colocar para fora da maneira que se quer.

Maria, para Dani, representa as pessoas que lutam por lugar na história. “No caso das mulheres, a gente pare rasgando, para poder existir sempre, em todos os contextos e épocas”, afirma a artista. “Quando pensei em Maria no desenho, pensei em fazê-la gigante, mas também pensei em José gigante, já que quase ninguém fala nele. José é praticamente uma figura que a história não dá protagonismo. E eu queria falar daquela família que é símbolo de amor, mas que a história lúdica tirou muito o protagonismo deles.”

ATUAL

Tendo o Natal como símbolo de afetividade muito além de credo, Dani Acioli, que faz aniversário neste sábado (26), conta que buscou humanizar a sua criação olhando justamente o nascimento do Menino Deus como uma reflexão sobre as relações entre os homens. Trouxe para os dias atuais a “figura maior”, como ela se refere ao Cristo, narrado sempre num passado longínquo. “Penso na figura de Jesus no hoje. Ele era uma pessoa da rua, que ia lutar contra o império, contra a centralização de bens, contra o preconceito. Alguém nascido num lugar pequeno, uma pessoa que não estava na cidade grande, que fica à margem da cidade”, explica ela.

O Jesus de Dani é também contrário ao modelo universal. “Não é branco, loiro e de olhos verdes. Quis, no meu desenho, fazer uma representação daquilo que o mundo precisa: a quebra de todos os paradigmas de sentimento”, ressalta. “Quero que a gente visualize aquele ser mítico da forma que a gente vive negando o outro, incluindo o sentido racial. Queira que a gente imaginasse o Ser Maior de maneira afetiva, emocional também. Esse é um momento precioso para a gente ter esse olhar sobre o protagonismo de raça, de gênero, de orientação sexual.”

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