PLÁSTICAS

Exposição O Tempo em Camadas mostra a fotografia de Eustáquio Neves como processo

O premiado fotógrafo e vídeoartista mineiro trilha um caminho híbrido de criação

Do JC Online
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Publicado em 23/02/2016 às 9:11
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Eustáquio Neves, como indica o título de suas recentes palestras realizadas em outubro do ano passado, busca a imagem expandida. Em seu trabalho, o fotógrafo e videoartista trilha um processo de criação híbrido que procura o “além das bordas”. Promove colagens, experimenta suportes, embaralha poesia, memória e história. A exposição O Tempo em Camadas, inaugurada hoje, às 19h30, no Centro Capibaribe de Imagem (CCI), apresenta parte de sua extensa obra, em curso desde o final dos anos 1980. 

Nascido em Juatuba, interior de Minas Gerais, Eustáquio deixou o município aos 13 anos. Formou-se em química em 1980, daí aprendeu a técnica fotográfica como autodidata e tornou-se um dos fotógrafos mais aclamados da atualidade. Recebeu o Prêmio Nacional de Fotografia da Funarte (1997), o Grande Prêmio J.P. Morgan de Fotografia (1999), o Prêmio Residência Videobrasil WBK Vrije Academie, da Holanda (2007), entre outros.

A mostra do CCI reúne 16 obras de três diferentes séries: Objetivação do Corpo (1999), Máscara de Punição (2004) e Dead Horse (2008) – esta última, um trabalho inédito feito durante residência em Daan Haag, na Holanda. Em comum, as imagens tensionam questões acerca da memória e identidade afro-brasileira, tocando com verve crítica a diluição do corpo e as ruínas de ranços sociais e cicatrizes da escravidão.

Máscara de Tortura, por exemplo, refere-se ao instrumento de tortura usado para castigar negros durante o período de escravidão. Já Objetivação do Corpo é uma divagação sobre violência. O corpo negro feminino aparece em desgaste, numa ligação dual entre o belo e os destroços. “A matriz, a premissa do corpo é premente em toda a obra de Eustáquio. São imagens que, por trás do deslumbre e sedução, há uma crítica forte”, afirma a curadora pernambucana Georgia Quintas. O tema é expresso também nas séries icônicas Arturos (1993-1995), sobre o sincretismo religioso, e Futebol (1997).

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Fotografia da série Objetivação do Corpo, que lida com o corpo feminino - Divulgação
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Fotografia da série Máscara de Punição, que gera incômodo com instrumento de tortura da escravidão - Divulgação
Valéria Félix/ Divulgação
O artista Eustáquio Neves é formado em química e fotógrafo autodidata - Valéria Félix/ Divulgação

“Os trabalhos falam de problemas enraizados na história do Brasil, que são o racismo e o preconceito. Mas não é uma arte política, incisiva, no sentido panfletário. Ela não se presta a um discurso contemporâneo. É diluída no imaginário, uma situação da memória, quase como um inventário”, analisa Georgia. “É mais uma arte poética, que é sensível ao invisível”, define.

Em sua técnica, Eustáquio compõe diversas camadas, as quais mixam diferentes plataformas, entre fotografia, riscos, desenhos, colagens, pequenos escritos datilografados. O artista dedicou anos à pesquisa do fotossensível, às experimentações pela imagem fotográfica analógica. Mas não se trata, porém, de uma exaltação ao virtuosismo. É um modo de trazer ao centro o exercício do experimento. “O trabalho enfatiza a apropriação da linguagem fotográfica para, a partir daí, extrair algo novo, mesclando isso com outros suportes”, diz Georgia. Ela propõe: “A técnica não é um fim, mas, sim, esse desassossego em multiplicar imagens – não em reproduzir”.

Nesse sentido, as imagens desdobram outras narrativas em si mesmas. As cores, texturas e atmosferas são difusas e potencializam as camadas – documentos históricos, pequenos desenhos, etc. Ou, como descreve o próprio Eustáquio, provocam uma “situação de narrativa em espiral”. O interesse não está na figura fixada, na captura do instante ou na representação objetiva. Pelo contrário, Eustáquio é o artista que anseia a ressonância e o devir, aberto ao fluxo contínuo de novas imagens e conceitos. “As imagens se contaminam, se entrelaçam e criam redes”, observa a curadora.

Ela aponta que a criação enquanto processo é um tema central na mostra. No caso de Eustáquio, há uma particularidade do laboratório de revelação. É uma fase que demanda habilidade minuciosa para operá-la. Inclui demarcações precisas no papel sensível para as várias impressões que virão, o uso de vários negativos, restos de imagens, escrita e desenho sobre o papel, refotografar – tudo feito em silêncio para ouvir o “som do ambiente”.

“Em todo trabalho, a premissa maior é o processo que se constrói ao longo dos anos. O tempo como grande gestor, o tempo que decanta a obra. A exposição não tem como objetivo sintetizar em retrospectiva o trabalho de Eustáquio. A ideia é articular o exercício do gesto de experimentar, toda a construção poética da criação”, comenta Georgia, que tem como tema de sua pesquisa de pós-doutorado o processo criativo do artista, analisando também a arte de Eustáquio Neves.

Para entrar em contato com a materialização desse processo, a exposição dispõe também de rascunhos, matrizes, negativos, e esboços da fase de pré-produção. 

Inédito

Em 2007, Eustáquio foi premiado pelo Programa Videobrasil de Residências no 16º Festival Internacional de Arte Eletrônica Sesc Videobrasil, reconhecimento que o levou a passar, em 2008, uma temporada de seis semanas de criação e estudos na WBK Vrije Academie, sediada em Haia, na Holanda. 

Nessa residência, o mineiro desenvolveu o Dead Horse, vídeo e série fotográfica. O projeto terá suas imagens expostas hoje pela primeira vez. São oito fotos que relacionam os primórdios do cinema com o estado atual da produção cinematográfica, tendo como inspiração um videoinstalação do cineasta inglês Peter Greenaway (diretor de O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante, entre outros). A partir desse referencial, abre uma discussão sobre as noções de movimento na fotografia.

Serviço

Exposição O Tempo em Camadas, de Eustáquio Neves 
Hoje, às 19h30 no Capibaribe Centro da Imagem
Na Rua da Aurora, 533, Boa Vista. Entrada gratuita
Informações: 81 3032-2500. Em cartaz até 24 de março

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