Apesar de se fazer presente em diversas sociedades desde a Antiguidade, a prostituição permanece cercada de preconceitos e explicita tensões que vão desde tabus relacionados ao sexo, à sexualidade e até à própria ideia de empoderamento desses profissionais em relação aos seus corpos. Marginalizadas, essas vivências costumam ser resumidas a representações estereotipadas e desumanizadoras. Idealizado pela Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), o Museu do Sexo das Putas reuniu, durante um mês, dez artistas/pesquisadores em um hotel da Rua Guaicurus, considerada o maior centro de prostituição do País e que tem em sua história nomes icônicos como Hilda Furacão. Entre os participantes estiveram os pernambucanos Karol Pacheco e Bruno Faria.
Com caráter interdisciplinar, o projeto faz parte de um trabalho militante da Aprosmig no sentido de desmistificar a prostituição e, principalmente, suas profissionais. A ação se propunha, também, a dar visibilidade a essas experiências, para além de abordagens que se apropriam desse universo sem, necessariamente, garantir o lugar de voz de suas protagonistas.
No trabalho de Karol Pacheco, ex-repórter do JC, intitulado Tecnologia a Serviço da Orgia, a artista realizou quatro performances que investigavam pontos como a visibilidade, mercantilização e a própria apropriação do corpo nos meios virtuais.
As performances da artista foram transmitidas ao vivo, tanto em redes sociais quanto em plataformas voltadas para o entretenimento sexual, como o Cam4. Na primeira experiência, nominada Eu tive que engolir, ela gravou em uma cabine da Sauna e Cine Kratos, no centro de Belo Horizonte, projetando em um telão no qual, normalmente, são exibidos filmes pornográficos, para uma plateia composta majoritariamente por um público masculino.
“O legal desse trabalho é a desterritorialidade que o universo virtual confere, ao contrário da prostituição, de corpo aberto. Os corpos na internet são vistos, mas não tocados por outrem e isso me intrigou: pensar nesse lugar como uma zona autônoma temporária”, afirma a artista, que reside em Camaragibe.
“Para contrastar com as peles tão aparentes nesses tipos de sites, as plataformas sexuais, optei por fechar o meu corpo de mais uma forma: pintura corporal. Em Eu tive que engolir, utilizei urucum, fazendo referência ao corpo indígena; mas também utilizo corpo plástico (gelatina), queimado/negro (carvão) e com argila (a terra)”, completa.
O trabalho, segundo Pacheco, partiu de uma inquietação pessoal que perpassa várias questões, inclusive relacionadas a gênero e raça.
“As pessoas me perguntaram se eu ganhava grana com isso, pois como é possível ter tamanho livre arbítrio em relação ao seu próprio corpo, a ponto de exibi-lo ‘apenas’ pela arte. Mulher, negra, periférica, uma série de estigmas – assim como o das putas – postos a prova mais que artisticamente, até mesmo de modo filosófico, pois o projeto trata também de um exorcismo pessoal, mas também que cruza com as vivências de tantas mulheres, inclusive as prostitutas”, reforça.
PERTENCIMENTO
Já o trabalho de Bruno Faria, intitulado Na Calada, é uma intervenção que toma a Rua Guaicurus como ponto de partida. Ao observar que nos quartos dos 30 hotéis da região utilizados como ponto de trabalho pelas prostitutas, ele deslocou as luzes vermelhas desses ambientes para o espaço público, colocando gelatinas de iluminação na cor vermelha em todos os postes da rua. A ação, além do efeito estético, ativa a percepção de territorialidade, reconhecendo a função e a simbologia daquele espaço.
Bruno confeccionou ainda o Guia das Putas, espécie de guia turístico com dicas de hospedagem, alimentação e diversão para ser utilizado por profissionais de turismo a partir de dicas das próprias prostitutas.
“Esse projeto parte de um desejo da Aprosmig de ter um museu permanente. Inclusive, a prefeitura de Belo Horizonte já disponibilizou uma casa na rua Guaicurus para a construção da sede”, pontua Bruno.