VANGUARDA

'PaLarva' faz retrospectiva da arte de contra-informação de Paulo Bruscky

Exposição em cartaz na Caixa Cultural tem mais de 300 peças

GGabriel Albuquerque
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GGabriel Albuquerque
Publicado em 30/11/2016 às 8:19
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Em 1978, Paulo Bruscky circulou pelo centro do Recife com a placa “O que é arte? Para que serve?”. Essa é a provocação que move o multiartista pernambucano até hoje, aos 67 anos: “no dia que souber, eu paro”.

Bruscky é um dos principais nomes da arte contemporânea, não apenas no Brasil, mas no mundo. Atuando – muitas vezes de forma pioneira – em diversas áreas, mídias e suportes (veja infográfico abaixo), ele tem obras no acervo dos maiores núcleos de arte moderna do mundo como Centre Pompidou (França), Tate Modern (Inglaterra), MoMA (EUA) e Museu d’Art Contemporani de Barcelona (Espanha). 

Em cartaz de hoje até 12 de fevereiro de 2017 na Caixa Cultural, a exposição PaLarva - Poesia Visual e Sonora de Paulo Bruscky marca os 50 anos de carreira do auto-intitulado “artista nocivo à sociedade” e faz uma restrospectiva de sua obra, reunindo mais de 300 trabalhos. O título da mostra vem de uma peça criada por Paulo Bruscky em 1992. Ele explica: “É muito mais difícil trabalhar com a palavra do que pegar uma rocha e transformar em joia. A palavra é mais do que uma palavra, é um embrião”.

Infográfico

Paulo Bruscky - Retrospectiva

Ele concebe arte como dispositivo de contra-informação em disputa com as estruturas hegemônicas de poder. Às margens das galerias, o artista traçou sua carreira cavando brechas poéticas em classificados dos jornais, outdoors, cartas e faxs. A “palarva” de Bruscky, como diria Jomard Muniz de Britto, é um vírus da negatividade, da desobidência e da divergência rompendo com o silêncio. Em 1976, como membro da rede internacional de arte postal, ele cria um carimbo com a máxima “Hoje, a arte é este comunicado”

infografico

Bruscky também é notório pelas intervenções urbanas. Seus Enterros Aquáticos (1971 e 1972) causaram confusão entre os transeuntes do Centro do Recife. Ele jogou no rio um caixão com a palavra “arte”. Os bombeiros “resgataram” o caixão e, ao abri-lo, depararam-se com uma pilha de frases irônicas contra o regime militar e a história da arte. Junto com o paraibano Unhandeijara Lisboa, ele também inventou o Poesia Viva (1977), happening que será remontado hoje na abertura da mostra. Como nos Parangolés de Hélio Oitica, os participantes fazem parte da obra vestindo roupas com letras que formam “poesia viva” e brincam formando novas palavras.

“Tem uma frase, não sei se é de Maiakovski, que diz que a arte tem que ir onde o povo tá. O happening me interessa porque você dá o tiro inicial e não sabe se a bala vai chegar no alvo ou não, depende da participação do público. É desmistificar a ideia do artista como um autor absoluto”, pontua.

A exposição também concentra o seu trabalho audiovisual. Participante do ciclo de cinema Super 8 – que também tinha os jornalistas Geneton Moraes, Celso Marconi e Fernando Spencer e o poeta Jomard Muniz –, Bruscky realizou uma série de curtas. Um destaque é Performance Para 2 Elevadores (1982), que trata da incomunicabilidade nos elevadores. O filme foi rodado em Nova York, onde ele passou uma temporada após receber a prestigiada bolsa da Guggenheim. Nos EUA, conheceu John Cage e quase todos vanguardistas do grupo Fluxus.

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O visitante também poderá ouvir os áudios apresentados na Internacional Rá(u)dio Arte, evento organizado por Paulo Bruscky em 1978 no festival de artes da Universidade Católica e que recebeu peças sonoras de artistas do mundo inteiro. Também estão disponíveis as gravações do próprio Bruscky, como o Poema de Repetição (1978), que esvazia o significado da palavra pela repetição (veja vídeo abaixo), e o Disco Antropofágico (1984), um vinil de 7 polegadas que, quando posto para tocar, é "comido" pela agulha.

https://mais.uol.com.br/view/d8jffen5kcf9/poesia-visual-e-sonora-de-paulo-bruscky-no-recife-04028C1C316ADC816326?types=A&

“A arte é feita pra provocar uma reação. Eu me deseduquei muito cedo. Foi difícil, porque a gente tem uma educação muito rígida e eu estudei em colégio de padre. Mas consegui me deseducar da questão estética, o que é belo, feio, bom, ruim. Isso é a questão da culpa, que vem do cristianismo”. 

A linguagem dos "multimeios"

Paulo também foi pioneiro no Brasil da Arte Fax, em 1980, quando realizou um trabalho entre o Recife e São Paulo com o artista Roberto Sandoval. Também utilizou o eletroencefalograma, em 1979, para propor um trabalho gráfico direto do cérebro para o papel, sem utilizar as mãos como intermediárias dos desenhos.Nos anos 2000, adaptou a arte postal (mail art, do inglês) para e-mail arte. "A obra é o percusso", diz ele.

"A internet é a continuação da arte correio. A gente ia incorporando telex (que eu sou pioneiro a nivel nacional), telegrama, fax (que era a desmaterialização e rematerialização em outro lugar). A internet vem em consequência do fax, que é a desmaterialização e rematerialização", observa.

Ele comenta suas explorações da linguagem dos multimeios e faz uma crítica aos artistas que buscam apenas a tecnologia de ponta. "Acho que quando você pega um equipamento, você tem que dissecar ele como um estudante de medicina disseca um cadáver pra você poder desvirtuar do que ele foi criado, tirar a função dele, e transformá-lo em co-autor com você". E alfineta: "as exposições de arte e tecnologia, não só no Brasil, mas no exterior mais parecem um showroom. As pessoas se preocupam tanto com a tecnologia que esquecem de botar arte nela. Quando eu fiz o eletroencefalograma, eu li muito. Tinha que saber a função do neurônio, do eletrodo, como funciona o cérebro. Não é qualquer coisa, você tem que saber a fundo o que você faz. o acaso só existe quando você pesquisa e é ousado".

Enquanto organiza as inúmeras peças da mostra, este senhor fala extensivamente sobre seus artistas preferidos - Cage, Cildo Meireles, Tunga e mais um leva enorme. Exala amor pela arte e não dá nenhum sinal de cansaço: “Todos os dias eu trabalho. Passo mais tempo no ateliê do que em casa. Fico lendo, pensando, estudando projeto. É feito Millôr dizia: eu não tenho inspiração, eu tenho transpiração. O artista tem que pesquisar e ralar muito”.

Resistência está no DNA de sua arte

Movimentar as ruas como as intervenções de Bruscky faziam era um desafio direto ao silêncio repressivo da ditadura militar. O resultado: foi preso três vezes, torturado física e psicologicamente e perseguido.

A primeira prisão foi em 1966, depois de fazer uma exposição no prostíbulo Chanteclair, no Bairro do Recife. A última e mais dramática foi em 1974. Ele relembra: “No Exército, um japonês me sentou na cadeira pra fazer a ficha e deu um murro tão forte que eu virei com cadeira e tudo. Mas eu nunca tenho medo. Quando vinham me interrogar, eu dizia: ‘Você conhece teoria de arte pra poder me interrogar? Você me chama de comunista, qual o seu conceito de comunismo? O que é ser comunista pra você?’ Eu invertia o interrogatório o tempo todo”.

Paulo Bruscky continua: “Quando me soltaram, disseram que iam me ‘acidentar’. Eles falaram: ‘Temos gente especializada em acidente. Te mata e faz parecer como um acidente’. Passei dois meses com dois caras me seguindo no trabalho, na universidade. Eu passava e eles tavam de frente o dia todo, me cumprimentavam com a cabeça”, lembra.

A resposta veio seis meses depois com a exposição Nadaísmo (também um manifesto, em parceria com Daniel Santiago) na Galeria Nega Fulô, nas Graças. “As paredes não tinham nada, eram todas brancas. Só tinha um banquinho. Eu subi e fiz um discurso denunciando que se eu fosse morto num acidente, não era um acidente, era o Exército que tava me matando. E, inclusive, os dois canalhas tão aqui dentro e eu não vou mostrar quem são porque não sou dedo duro que nem vocês. E diga lá ao comandante do Exército que eu vou continuar fazendo meu trabalho. Um dia vou ter que morrer, então eu morro pelo meu trabalho”.

Sobre estar nos museus e grandes galerias depois de décadas atuando na contracultura como artista marginal, Paulo faz um brincadeira sucinta que vale como um ensaio teórico: “Ninguém se livra de entrar em museu. Se o cara perguntar ao outro: ‘você quer entrar na história da arte’, e ele disser não, já entrou. É que nem aquela história: ‘você quer entrar no Clube do Porto?’ O cara responde: ‘quero’. ‘Então não pode, se disse não já era sócio’”.

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