Ao lado de nomes como o do pernambucano Aloísio Magalhães, o carioca Athos Bulcão seria um dos responsáveis pela identidade gráfica do modernismo no Brasil. Escultor, pintor, designer e criador de uma azulejaria contemporânea brasileira, ele não não apenas viabilizou, mas pavimentou a arte moderna para que não ficasse acorrentada em suas arestas. “Athos é um artista que, ao lado de um pequeno grupo, criou pontes de superação do modernismo para o mundo contemporâneo, caminhos para que o modernismo fosse absorvido e também superado depois da apresentação de sua utopia”, diz Marcus Lontra. Também carioca, antigo diretor do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, nos anos 90, quando a instituição recifense viveu seu auge, com a consolidação de nomes locais e a exposição de ícones como Picasso e Basquiat, Lontra assina a curadoria da exposição Athos Bulcão - Tradição e Modernidade, em cartaz a partir de hoje na Caixa Cultural.
Em parceria com a Fundação Athos Bulcão de Brasília, a mostra põe em intinerância o que não teria a possibilidade da circulação. Com acesso às plantas originais, cerca de 40 obras reproduzem alguns dos célebres painéis em azulejaria responsáveis pela identidade do Rio de Janeiro e, sobretudo, de Brasília. Em 1958, a convite do arquiteto Oscar Niemeyer, integrou arte e arquitetura a serviço da Companhia Urbanizadora da Nova Capital. Entre murais e painéis, alguns em relevo, assina a identidade gráfica de prédios como os edifícios do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Teatro Nacional, do Palácio do Itamaraty e do Palácio do Jaburu. Não sem ter enfrentado a discussão estéril sobre se ao fundir arte e arquitetura, seria mesmo artista. “Athos trouxe a natureza, o céu de Brasília para a arquitetura monumental e operística de Niemeyer”, resume Lontra.
Um dos poucos mais nitidamente figurativo, com sugestão de punhos apertados em comunhão, o painel do aeroporto de Brasília (1993), traz, por exemplo, a composição em cores vibrantes, laranja e amarelo - preocupado em incorporar a cor e temparatura ao redor em sua poética, ali reflete os tons indomáveis do final de tarde de um céu em Brasília. Poeta da forma, não era um formalista ensimesmado. “Ele não era um construtivista careta, das cores duras. Suas composições apontam para a sensualidade, liberdade”, diz Lontra. Criado para o Sambódromo do Rio de Janeiro, outro painel traz círculos abertos azuis sobre fundo branco. “Ele exigiu apenas que os operários não fechassem os círculos, fazendo a composição como quisessem.”
DANÇA
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Oticamente, as curvas sugerem uma dança, ou corpos numa comunhão sinuosa. No Recife, Bulcão assinou, por exemplo, a azulejaria da fachada do edifício Gropius (1976), na Rua dos Navegantes, em Boa Viagem, um grafismo em ocre e branco em que os pontos de cor se aglutinam em ritmos distintos. Na mostra, está presente também a fachada Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, inaugurada em 1958, em que Athos dá ritmo e cor ao que seria apenas o concreto de Niemeyer com a impressão da figura do espírito santo. E também gravuras, serigrafias, vídeos, projetos. Mas não as pinturas de Bulcão que, assistente de Portinari, não se deixou por ele moldar. “Athos fazia um figurativismo mais onírico”, rubrica Lontra. Amigo do artista, morto em 2008, aos 90 anos, o curador evidencia a intersecção crucial de Bulcão: contemporaneidade à tradição colonial da azulejaria. Ou seja, mais que na arte, trazer modulação e ritmo à urbanidade brasileira.
Athos Bulcão – Tradição e Modernidade. Caixa Cultural Recife, Marco Zero. Abertura, hoje, às 19h. Em cartaz até 28 de janeiro. Fone: 3425-1915.