Depois de um mestrado em Londres para estudar a imagem internacional do Brasil, francamente apoiada em seus frágeis estereótipos, o jornalista pernambucano radicado em São Paulo Daniel Buarque acabou por produzir uma peça estratégica para destruir um dos maiores clichês londrinos. O de que, a despeito de toda pujança, a capital inglesa é pátria da pior culinária do ocidente. “Desde que, há cerca de 30 anos, os ingleses passaram a assumir a gastronomia como algo importante, houve muita mudança. Hoje, quem souber se locomover, vai comer melhor em Londres do que em Paris”, avisa, de cara, o autor de Comer Londres - Um guia para AMAR a PIOR comida do mundo (Ed. Livros de Comida, 240 pgs, R$ 39). O livro é lançado hoje, a partir das 19h, na Livraria Cultural do Paço Alfândega.
O termo “guia” no subtítulo é apenas um chiste, de teor tão irônico quanto o adjetivo “pior”, usado para qualificar o objeto do livro. “Quis fazer uma brincadeira com essa imagem de que em Londres se come mal”, diz ele. Com prosa solta, narrativas de memória e experiências próprias e muita historicidade, Buarque oferece, na verdade, um mapa para que entendamos esse povo de uma das cidades preponderantes para o mundo ter se tornado o que se tornou através de seus hábitos de mesa.
Durante muito tempo, sim, Londres relegou a segundo plano as possibilidades, culturais e gustativas, do paladar. “Durante a era vitoriana, com o banimento de todos os prazeres, o prazer do paladar também foi relegado a segundo plano”, ele diz. “Como acontece no Brasil e no resto do mundo, jovens e novos chefs usam agora técnicas gastronômicas para refazer clássicos londrinos como o fish and chips e a torta de rins”, ele diz, lembrando que Londres vai muito além de seus clássicos mais estritamente pátrios. “Londres tem representações culinárias de 198 nações ao redor do mundo. Curioso que, quando fora do País, segundo pesquisas, os ingleses se ressentem menos da falta de um rosbife e do breakfast que do curry indiano”, diz ele, lembrando como a história tempera a mesa. De maneira geral, após décadas de contato íntimo colonizador, “os ingleses acreditam comer comida indiana melhor na Inglaterra que na Índia”.
FEIJÃO DOCE
Alvo dos recentes atentados em Londres, o Borrough´s Market´s, à beira do Tâmsa e no coração costurado por pontes da cidade, é prova de que a alma gastronômica de Londres se alimenta tanto nos tradicionalíssimos gastro-pubs como da comida de rua. “Em comparação relativa ao Brasil, comer em Londres, sobretudo na rua e nos pubs, não é caro. Nas ruas e mercados, encontramos artigos como salmão defumado inteiro e as grandes caças, preparadas agora com cada vez mais cuidado, ele diz. “E não deixa de ser simbólico que o alvo dos atentados tenha sido justamente o coração gastronômico de Londres”.
O livro é dividido em pequenos capítulos de prosa solta em que podemos desenhar Londres por mapas imaginários, pequenas fronteiras traçadas por ethos gastronômicos específicos. Onde e como identificar as melhores caças, os grandes nomes estrelados, a boa comida de pub. “Mais que um guia - aliás, indico apenas endereços muito clássicos, que não correm o risco de fechar tão cedo - o livro procura dar dicas gerais de como aproveitar bem os cardápios”. Não poderia faltar, naturalmente, as devidas linhas sobre o breakfast inglês, a mistura tão peculiar de feijão adocicado, linguiças, bacon, ovos e torradas, temperados, obviamente, pela história: “O grande passado operário, industrial, de Londres, explica o hábito de uma refeição matinal tão substanciosa”.