O principal sintoma da fraca Seleção Oficial do 70º Festival de Cannes é que muitos filmes exibidos até agora se mostraram absolutamente desnecessários. Nesta quarta-feira (24/5), os dois filmes apresentados não fariam nenhuma falta se não tivessem sido feitos. A nova versão de O Estranho que Nós Amamos, de Sofia Coppola, não acrescenta muita coisa ao filme original, realizado em 1971 por Don Siegel. E Rodin, de Jacques Doillon, parece ter sido produzido apenas para aproveitar os ecos dos 100 anos do escultor francês, a ser comemorado em 17 de novembro deste ano.
Nascida no mesmo ano em que o filme original chegou aos cinemas, Sofia Coppola se propôs fazer uma atualização – ou melhor, lançar um olhar feminino – para o romance de Thomas Cullinan, um curioso thriller psicológico sobre os efeitos da chegada de um soldado nortista baleado numa pensão feminina da Virgínia, durante a Guerra da Secessão dos Estados Unidos, mais precisamente em 1864.
No primeiro filme, Clint Eastwood nem precisava fazer muita força para que todas as mulheres do pensionato, de várias idades, tremessem ao seu olhar. Sofia, ao contrário de escolher um ator com evidente sex appeal, escalou o irlandês Colin Farrell, que faz um soldado mais assustado do que sedutor. A corrente sexual do filme anterior, porém, inexiste na versão de Sofia. E muito menos suas ambiguidades.
DESEJO FEMININO
O elenco feminino reúne, além de Nicole Kidman, no papel da diretora do pensionato, duas atrizes fetiches de Sofia: Kirsten Dunst e Elle Fanning, que interpretam a professora Edwina e a interna Alicia, as duas que mais se mostram interessadas no soldado John McBurney (Farrell). As outras quatro alunas, mais jovens, tem participação menor, com exceção de Amy (Oona Laurence), que encontra o soldado num bosque e o leva para o pensionato, na primeira sequência do filme.
A ideia de Sofia parece ser o de tornar mais claro a força inconsequente do desejo feminino, com as diferentes percepções das sete mulheres enclausuradas na pensão, tendo um homem só para elas. Do cuidado de Martha (Nicola), que costura o ferimento do soldado, elas passam a desejá-lo sexualmente. Sofia, entretanto, não se aprofunda o suficiente nessa questão e o filme fica só em banho-maria. Claro, elas vão se desvencilhar do soldado para a paz continuar entre elas.
Por outro lado, Sofia aproveita bem as paisagens sulistas, a decoração do pensionato e o vestuário de suas atrizes, dando ao filme um sentido de localização muito preciso. O diretor de fotografia francês Phillipe Le Sourd, que já colaborou com Ridley Scott e Wong Kar-Wai, capricha na luz natural para criar uma paleta de corres bem apropriada e visualmente rica. Apesar de todo o capricho, porém, O Estranho que Nós Amamos não causa o mínimo impacto. Embora já quase cinquentão, o filme dirigido por Don Siegel permanece bastante fresco como cinema, especialmente quando intercala os flashbacks, que ainda hoje causam estranheza.