Tema de um documentário sobre sua vida e obra, em exibição em boa parte do País (no Recife, está em cartaz no Cinema da Fundação), o escultor, pintor e escritor Francisco Brennand é retratado com um homem culto e recluso, fincado numa construção que ele vem adornando há mais de 40 anos, dedicado à criação de um universo próprio e intransponível. Homem de muitas paixões, Brennand é conhecido também pela paixão que sente pelo cinema. Na década de 1950, em Paris, frequentou a Cinemateca Francesa e conheceu os clássicos de Luis Buñuel, Sergei Eisenstein, Josef von Sternberg, Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, além de autores de uma geração posterior, como Pier Paolo Pasolini e Andrei Tarkovski. Nesta entrevista concedida por e-mail, Brennand confessa seu amor pelo cinema, “uma arte mágica”; faz reflexões sobre a sétima arte e fala sobre o longa-metragem que leva o seu nome, dirigido pela sobrinha-neta Mariana Fortes.
JORNAL DO COMMERCIO – O senhor gostou do filme de Mariana?
FRANCISCO BRENNAND – O documentário de Mariana é exemplar. Em primeiro lugar a arte do cinema é um trabalho de equipe e ela, como diretora, soube se rodear dos melhores, haja vista a presença de Walter Carvalho. A montagem de Livia Arbex, a edição de som de Miriam Biderman e a trilha musical (original) de Lucas Marcier, além da abalizada distribuição da VideoFilmes, dos irmãos Walter e João Moreira Salles. Este conjunto assegura, de imediato, o sucesso que esse filme merece e vai merecer ainda muito mais, além dos dois prêmios que já ganhou.
JC – A sua pintura, que o senhor considera ignorada, recebe bastante importância no filme. Isso lhe agradou?
BRENNAND – Costumo chamar todo esse conjunto da Oficina Cerâmica Francisco Brennand de Bosque Sagrado, incluindo as edificações, jardins, a presença do Rio Capibaribe (a menos de cem metros), a proximidade marcante da floresta, o todo abrigando e envolvendo esculturas e pinturas. Dentro deste contexto, a pintura e a escultura devem se confundir, desde que elaboradas e executadas pela mesma pessoa. Uma não existiria sem a outra.
JC – A janela é uma das principais metáforas do cinema. E o filme praticamente começa com uma janela, opaca à principio, que se abre para o espectador, para as pessoas que visitam a sua Oficina também, como uma porta de entrada para o seu mundo particular, para o outro, enfim. Mas, até hoje, os teóricos têm dificuldade em responder à pergunta “o que é o cinema?”. Para o senhor, o cinema tem uma importância comparável à pintura ou escultura, por exemplo?
BRENNAND – Considero o cinema uma arte mágica. A questão é saber vê-lo. Ainda ontem, assisti, estupefato, ao filme King Kong, do diretor Peter Jackson. Poderia tê-lo considerado uma tolice apesar dos seus três Oscars e dois Globos de Ouro, mas repentinamente hipnotizado, é como se de repente estivesse assistindo as aventuras de Ulisses, herói de Homero.
JC – Nos diários, o senhor escreve sobre cinema?
BRENNAND – Desde os anos 1950 escrevo sobre cinema. O primeiro filme que comentei foi Henrique V, dirigido e interpretado por Laurence Olivier. Muito tempo depois, escrevi sobre A noite, de Michelangelo Antonioni. Depois entraram na pauta: Gritos e Sussurros, de Bergman; Teorema, de Pasolini; e Solaris, de Andrei Tarkovsky. Não esquecer os meus inúmeros comentários sobre Buñuel, sobretudo Tristana.
JC – O senhor viveu na Europa nos seus anos de formação artística e intelectual. O cinema fez parte dessa formação?
BRENNAND – Aloísio Magalhães me aproximou do lendário Paulo Carneiro, da Cinemateca, em Paris.
JC – Quais são os cineastas do passado que continuam a lhe interessar, que o senhor revisita sempre?
BRENNAND – Eisenstein, do Encouraçado Potemkin, e Sternberg, do Anjo azul, estrelando a inesquecível Marlene Dietrich e as primeiras parcerias de Buñuel com Salvador Dalí, Le chien andalou.
JC – O senhor vê os filmes que estão sendo produzidos atualmente, obras americanas, europeias, brasileiras?
BRENNAND – Sim, mas não sou cinéfilo. Como deixar de vê-los? Os irmãos Joel e Ethan Coen; o prodigioso David Lynch; o dinamarquês Lars Von Trier e o português Miguel Gomes.
JC – A produção pernambucana está vivendo um dos seus melhores momentos. O Estado vem apoiando e os cineastas estão correspondendo. O senhor vem acompanhando a recepção do filme O som ao redor, do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho?
BRENNAND – Apesar da imensa curiosidade, ainda não me foi possível ver o filme de Kleber Mendonça Filho. Posso imaginar – pelo que dizem – que é o que há de melhor.
JC – Seus murais, como o sobre a Batalha de Guararapes, por exemplo, pode ser visto como um tipo de narração imagética muito próxima do cinema. Percebe-se ali um roteiro, uma decupagem dos planos... O senhor concorda com esse raciocínio?
BRENNAND – De fato, o meu mural A Batalha dos Guararapes pode ser tido como uma narração imagética, muito próxima do cinema. Tomei como ponto de partida a Tapeçaria de Bayeux sobre a Batalha de Hastings, quando os normandos venceram os ingleses. Como o mural começa da esquerda para a direita, a partir do rés do chão, tendo 32 metros de comprimento por apenas 2,5 metros de altura, pode ser lido como uma história em quadrinhos e este fato é propício à compreensão popular porque conta os episódios gloriosos da Batalha de Guararapes, quando expulsamos do solo pernambucano o rico e bem armado invasor holandês. No meio da refrega, um soldado sustenta a bandeira brasileira da República como antecipação simbólica de nossa futura nacionalidade. Guararapes é o centro de gravidade de nossas atividades bélicas. O mural se encontra na Rua das Flores e, dado ao tema patriótico, poderia merecer mais cuidado das autoridades competentes.