A estrela sobe

Jesuita Barbosa, um ator de olhos verborrágicos

Estrela do filme Tatuagem, jovem ator pernambucano é a grande revelação da atual safra do audiovisual brasileiro

Bruno Albertim
Cadastrado por
Bruno Albertim
Publicado em 02/11/2013 às 5:02
Flávio Gusmão/Divulgação
FOTO: Flávio Gusmão/Divulgação
Leitura:

    Quem conseguiu assistir à pré-estreia de Tatuagem, na sessão disputada poltrona a poltrona no Janela Internacional de Cinema, pôde ver. Havia anos um filme brasileiro não desfilava olhos tão verborrágicos. Na pele do soldado Fininha, que se apaixona pelo líder de uma trupe de teatro anárquico na Olinda dos anos de chumbo, Jesuita Barbosa diz grandes discursos sem abrir a boca. Mobiliza parágrafos inteiros apenas com o movimento das retinas sob a moldura das pálpebras.
    “Depois de vários testes, encontramos Jesuíta em Fortaleza com o tamanho exato do personagem. Ele é um ator faustoso no sentido de oferecer muito para a cena, mas é muito econômico tecnicamente. Nunca me fez perder um take. Tem uma relação profunda, densa, com a câmera. Concordo com Karin Aïnouz quando ele diz que Jesuita é o novo Hermila Guedes”, diz Hilton Lacerda, diretor do filme já barulhento antes mesmo de sua estreia oficial, próximo dia 15, e que rendeu a Jesuita o prêmio de melhor ator no último Festival do Rio.

O melhor amigo - Allan Deberton (Ceará) -
Flávio Gusmão/Divulgação
Tatuagem - Fininha (Jesuíta Barbosa) e Clécio (Irandhir Santos) - Flávio Gusmão/Divulgação
Flávio Gusmão/Divulgação
Tatuagem - Fininha (Jesuíta Barbosa) - Flávio Gusmão/Divulgação
Flávio Gusmão/Divulgação
Tatuagem - Fininha (Jesuíta Barbosa) e Dona Albanita (Soia Lyra) - Flávio Gusmão/Divulgação
Flávio Gusmão/Divulgação
Tatuagem - Fininha (Jesuíta Barbosa) - Flávio Gusmão/Divulgação

 

   Ele está naquele exato momento em que um ator revela calibre, grandeza, deixa de ser uma promessa para tornar-se uma festejada revelação. É o momento de se acostumar com esse nome: além do filme de Hilton Lacerda, Jesuita Barbosa está em duas outras películas dirigidas por cineastas brasileiros de filmografia respeitável. Vai desfilar seu olhar discursivo também em Trash, o filme realizado pelo diretor inglês Stephen Daldry, o mesmo de Billy Elliot, no Brasil. Com o fôlego de seus 22 anos, Jesuíta, de quebra, vai ser visto ainda na telinha. Ele é um dos personagens da minissérie global Amores roubados, gravada em Petrolina. 

    O diretor que o comparou a Hermila, a atriz que dirigiu como a protagonista de O céu de Suely, Karin diz que “poucos atores podem fazer uma cena dramática num close tão longo como Jesuita”. Sob a direção de Karin, o ator está ainda no elenco do inédito Praia do Futuro, na pele de um irmão que vai em busca de outro, mais velho, desaparecido na famosa praia cearense. De pano de fundo na trama, existe uma certa paixão cafuçu por automóveis. “Você não sabe o que vai sair dele, se um bicho, se algo delicado”, continua Karin.
    Os colegas de set de filmagem também são generosos em elogios. Seu parceiro em Praia do Futuro e Serra Pelada, Wagner Moura teceu-lhe um pouco ortodoxo elogio durante o último Festival de Gramado: “Desse eu não tenho raiva, tenho vontade de matar mesmo, com uma paulada na cabeça”, brincou Moura, sobre a pouca idade e o talento acumulado de Jesuita.
    “Acho muito engraçado esse comentário do Wagner. Ele é um grande colega de cena, um amigo, um cara que ensina as coisas para a gente. Nós criamos grande intimidade, nos tornamos grandes amigos”, devolve Jesuita, atualmente encantado também pela amizade com outro parceiro de cenas em Tatuagem, Irandhir Santos – nome onipresente no atual cinema brasileiro que dá o que falar.
    Apesar de tantos filmes acumulados em tão pouco tempo, Jesuita não foi convidado diretamente para nenhum deles. Conseguiu os papeis através do bom, velho e exaustivo teste de elenco.
    “Eu estava no Ceará, com uma temporada (do grupo teatral As Travestidas), quando um amigo disse que tinha um teste. Depois que passei, fui para Olinda. Ter morado durante as filmagens com Irandhir na mesma casa ajudou a gente a se entregar junto, a construir o vínculo forte”, diz ele, sobre o notável salto sem rede que os dois dão quando contracenam em Tatuagem: “É um filme que me encanta mais a cada vez que eu assisto”.
ANTES DO FILME   
    Quando soube do teste para Tatuagem, Jesuita estava em cartaz com um grupo de teatro e performances de Fortaleza que em tudo lembra o grupo anárquico de grande liberdade sexual retratado no filme de Hilton Lacerda.
    O teatro havia entrado em sua vida como os palcos costumam invadir a vida da maior parte dos adolescentes: num grupo da escola. “Fiz muito teatro infantil para ganhar uma grana. É o meio para conseguir um dinheiro mais estável”, diz ele, que trancou a faculdade de artes cênicas em Fortaleza para se dedicar profissionalmente à interpretação.
    Quando conheceu o diretor cearense Silvério Ferreira, encantou-se com a pesquisa dele sobre a estética e performance dos travestis artistas. Entrou, então, para aquele grupo, As travestidas, um cabaré performático, travestindo-se como seus pares. “Como eu era mais novo, fazia números imitando cantoras como Marisa Monte”, lembra o filho do delegado Jesuita Barbosa Filho e da resolutiva dona de casa Elizabeth Barbosa. “Meus pais sempre me apoiaram”.
    Embora radicado no Ceará desde criança, Jesuita é pernambucano. “Meus pais moravam em Parnamirim, fui nascer em Salgueiro porque só lá tinha maternidade”, diz ele, dono de memórias sólidas da infância como as brincadeiras de rua “numa cidade sem trânsito, sem perigo”. “Quando volto, me sinto de lá”, afirma Jesuita, um entre tantos primos que nem sabe quantos. “Minha mãe tem onze irmãos”. Aos 8 anos, ele se mudou para estudar na casa da avó em Fortaleza.
    A convivência com ambientes de grande liberdade sexual tem ajudado o ator a investir em papeis relativamente polêmicos. Em Serra Pelada, ele faz uma das “marias”, os gays efeminados e travestidos, donos do serviço local de favores sexuais. “As mulheres não podiam entrar no garimpo”, diz ele.
    “Minha personagem morre numa briga por terra”, diz o leitor assíduo da prosa poética de Caio Fernando Abreu. “Também estou lendo e gostando muito do livro Dois irmãos, de Milton Hatoum. Foi Cássia Kiss quem me deu de presente”. Um de vários presentes que a vida vai dando a ele.

Últimas notícias