Professor da Berklee College of Music e da New York University, o francês Jean-Luc Sinclair desembarca hoje no Recife onde ministra até sexta o curso Sound design para filmes e jogos digitais, no Portomídia. Em entrevista ao JC, ele fala sobre a importância dos ruídos, da trilha sonora em filmes e games e não poupa elogios ao longa pernambucano O som ao redor.
JC – Como e por que você começou a se interessar pelo design do som. Quando foi que se deu esse “encontro” pela primeira vez?
JEAN-LUC SINCLAIR - Por muitos caminhos, para falar bem a verdade. Meu interesse pelo som começou cedo até. Eu fiz estudos clássicos em música, que amo de paixão, mas sempre fui um pouco frustrado devido às limitações das regras de harmonia e de orquestração. Rapidamente, percebi que amava o som enquanto música e decidi enveredar por esse lado. Após o conservatório, na França, estudei na Berklee College of Music, em Boston. Após Berklee, fui para a Califórnia continuar meus estudos e tive a sorte de estagiar no estúdio que estava realizando a trilha sonora do filme Matrix. Depois, ainda em Los Angeles, trabalhei por vários meses com (o músico e produtor) Trent Reznor em uma maquete da trilha sonora do videogame Doom 3, entre outros.
JC – Qual a importância de pensar o design do som durante a pré-produção de um filme? E de um game?
JEAN-LUC - Nos dois casos o papel do som é crucial. Nos games, ele promove uma identidade aos personagens ou ao ambiente muitas vezes antes até que eles mesmos sejam criados. Mas pode também ser utilizado para influenciar uma narrativa. Em um filme, a pré-produção é muitas vezes o momento que você tem para gravar os sons que vão ser utilizados depois. Não apenas os diálogos, mas também os sons dos lugares, da locação. É importante ressaltar que no domínio dos games não há bem um momento de pré-produção assim como entendido nos filmes. A produção dos grafismos, das animações e do som se faz geralmente de maneira simultânea. O som possui duas funções inseparáveis. Uma delas é a mesma que no cinema: a imersão, captar a essência dos cinco sentidos. Mas num game um som deve fornecer informações aos jogadores. Por exemplo, a única maneira dele ter informações sobre o que está acontecendo fora do perímetro da tela é através do som. Barulhos de passos atrás de mim me alertam da presença de um inimigo, por exemplo.
JC – Recife e Pernambuco vêm vivendo nos últimos tempos um período bastante fértil de produção cinematográfica e valorização de seus filmes. Foram vários prêmios conquistados em festivais nacionais e internacionais e todas as produções se destacam por sua qualidade do som. No filme O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, por exemplo, o som é fundamental para ambientar o telespectador e para o próprio enredo. Você ouviu falar dele?
JEAN-LUC – O dinamismo criativo do Brasil é cada vez mais reconhecido internacionalmente. Conheço o filme, é uma belíssima obra de arte que deu muito o que falar na Europa e nos Estados Unidos.
JC – Como avaliou o trabalho do design do som no filme?
JEAN-LUC – O trabalho da equipe do filme com o som é realmente fantástico e isso é perceptível desde as primeiras cenas. É uma abordagem natural, que agrega aos sons uma dimensão realista e que nos transporta ao coração da história, dos personagens. É como se estivéssemos nas mesmas casas, nas mesmas ruas. Não acredito que o filme teria tanto sucesso com outra trilha sonora. Me lembra um pouco o trabalho de Louis Malle em filmes como Calcutta, por exemplo.
JC – Os ruídos são tão importantes quanto a trilha sonora no resultado final de um filme?
JEAN-LUC – Depende. Por vezes sim, é certo, e até mais importante em outros casos. A trilha sonora em um filme ou game é composta por três momentos: diálogo, música e efeitos sonoros. O diálogo carrega a história do filme, a narrativa; a música é a emoção, a tristeza, alegria, suspense; e o papel dos ruídos e efeitos sonoros são múltiplos. Até certo ponto eles nos permitem fazer do filme uma experiência imersiva e multissensorial e ocupa também o lugar dos sentidos que são difíceis de traduzir no cinema, como o tato, os odores... Se você assistir a um filme pensando nesses três elementos percebe que, a todo momento, um deles domina na trilha sonora. Em O som ao redor, por exemplo, o som dá uma dimensão crua à obra, é natural, e transmite uma sensação de algo muito particular. É uma abordagem diferente dos filmes de ação de grandes orçamentos de Hollywood, nos quais o som é ultramanipulado e que muitas vezes nem se assemelha com os verdadeiros sons dos objetos.
JC – Por fim, quais suas expectativas em relação ao curso Sound design para filmes e jogos digitais, no PortoMídia?
JEAN-LUC – Eu tento abordar cada turma nova sem ideias pré-concebidas. Minha principal preocupação é a de oferecer aos estudantes um ambiente que os permita aprender ideias novas ao mesmo tempo em que os incentivo a usá-las de maneira original e prática. Tento também me adaptar às necessidades dos alunos, pois cada grupo é diferente. O sucesso de cada turma é muito importante para mim. E a possibilidade de trabalhar com um grupo brasileiro é muito empolgante. A energia e a criatividade do Brasil são lendárias.