Antes de o filme Quatro Vidas de um Cachorro A Dog’s Purpose, 2017) começar, o nome do diretor, Lasse Hallström, acionou uma campainha na minha cabeça e me devolveu ao ano de 1985, quando assisti a outro filme dele, Minha Vida de Cachorro, que iria me marcar pelos cinco anos vindouros. Este drama sueco tinha menos a ver com caninos, propriamente ditos, e mais com a transição de um garoto para a puberdade, precisando lidar com a transitoriedade da vida, isso que chamamos de morte, sendo que a protagonista da curta jornada na Terra era sua própria mãe.
Fui, claro, cascavilhar no Google para ver se a memória não me traía. Além de confirmar, descobri que Hallström foi também condutor do filme Sempre ao Seu Lado (Hachiko: A Dog’s Story, 2009), este, sim, uma narrativa que tinha tudo a ver com os vínculos de amor e lealdade que se firmam entre cães e seus tutores. À essa altura, já afetivamente ligada a um peludo de quatro patas que me chamava de dona, recusei e passei. Pareceu-me demais testemunhar a dor muda do protagonista Hachiko, um exemplar da raça akita, que espera o retorno do seu amigo humano todos os dia na estação de trem, sem saber que ele havia sido fulminado por um ataque cardíaco.
Ao me deparar com a tarefa de analisar Quatro Vidas de um Cachorro, tremi. A memória de Marley e Eu (2008), que insisti em ver e terminei sendo flagrada pela filha no quarto, com meio cheeseburger mastigado e uma catarata de lágrimas vertendo dos olhos, ainda me abatia. Meu schnauzer Ugo morreu em 2015 e ainda não consegui apagar um vídeo dele, não importando quantas vezes meu Iphone acuse memória cheia. É assim, creio, com todos os que amam esses seres incríveis.
No entanto, Quatro Vidas de um Cachorro aparece mais como um bálsamo para esta saudade que parece estalar (ou terá sido o tempo?). Lasse Hollström volta ao tópico da transitoriedade através de uma métrica que todo dono de cachorro reconhece como “injusta”: o tempo de vida do animal em relação ao do seu humano. Ao enveredar pela trilha da reencarnação, também concedida aos bichos, o diretor pontua delicadamente uma premissa na qual muitas pessoas botam fé: a de que a aproximação e interação entre os seres vivos ocorrem para que eles aprendam e ensinem uns aos outros na mesma medida. Um cachorro vive o momento presente, por isso ele lhe saúda como se tivesse passado dias sem lhe ver, mesmo que faça apenas alguns minutos. Este é também um preceito caro ao zen-budismo: estar num permanente “agora”.
Mas não é só isso. O filme é perspicaz o suficiente para “colocar palavras” na boca de um personagem que não fala ou, pelo menos, não com palavras, transformando-o em narrador de sua própria história. E consegue, até certo ponto, mimetizar com verossimilhança aquilo que supostamente passaria pela mente dos cães. Desde seus comportamentos bizarros – como o estranho prazer de se espojar em coisas fedidas – até os miraculosos – o de esticar o pescoço para fora do carro. Afinal, você agiria de outra forma se conseguisse, com uma inalada só, distinguir o aroma do musgo das árvores, da madeira da cerca, da água estagnada, do esquilo que corre ligeiro, da lenha queimando na mais distante fogueira?
O filme tem também essa coisa tátil. Você quase pode sentir na própria pele a delícia que é afagar o pelo grosso e farto de um cão. Quase volta a perceber a quentura gostosa que é tê-lo em sua cama. Você sai do cinema com uma vontade louca de cheirar o cangote de um deles.
MAUS TRATOS
Poucas semanas antes da estreia, a produção de Quatro Vidas de um Cachorro foi bombardeada pela divulgação de um vídeo exibindo a cena em que o pastor alemão Hércules (que "interpreta" a cadela policial Elis) é obrigado a mergulhar em numa piscina de águas revoltas, demonstrando pavor com a ação. À certa altura, o cão parece ser sugado pela água e a equipe técnica corre para resgatá-lo. O vídeo gerou protestos mundo afora e a PETA, organização que luta em defesa dos direitos dos animais, pediu boicote ao longa-metragem.
Em nota enviada aos meios de comunicação, a Amblin Entertainment e a Universal Pictures, respectivamente produtora e distribuidora de Quatro Vidas de um Cachorro, afirmam que " a realização do filme seguiu rigorosamente os protocolos para assegurar um ambiente seguro e ético para os animais envolvidos". O comunicado segue relatando que foram vários dias de ensaio das cenas realizadas na água para garantir que Hércules se sentisse confortável com as gravações. No dia da filmagem, Hércules não quis gravar as imagens retratadas no vídeo divulgado, portanto, a equipe da Amblin não continuou as filmagens da cena. Hércules está feliz e saudável", garantem.
Também Dennis Quaid, que protagoniza uma parte do filme, negou que maus-tratos de qualquer natureza tivessem ocorrido. "Se tivesse acontecido, eu teria desistido do filme. Os animais foram bem tratados, não houve abuso. Esse vídeo que alguém gravou e vendeu por dinheiro e o segurou por um ano e meio, até um pouco antes da estreia, não conta toda a história. Primeiro de tudo, ele foi editado e manipulado“, garantiu o ator em entrevista ao ET Online.