Aguardada sempre com muita expectativa e sessões lotadas no Cinema São Luiz, a programação de Clássicos da 10ª edição do Janela Internacional do Recife acontece pelo oitavo ano consecutivo. Os filmes são trazidos de arquivos estrangeiros em cópias 35mm e DCP e apresentados como contrapontos à produção contemporânea de longas e curtas-metragens, que também compõem a grade de programação do Janela.
Viabilizado pelo Funcultura/Governo do Estado, com apresentação da Petrobras e organização pela CinemaScópio Produções Cinematográficas e Artísticas, de Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux, o festival acontece entre os dias 3 a 12 de novembro.
Este ano 11 longas-metragens integram a grade de clássicos do festival e mais duas sessões especiais. O Cine São Luiz, no Centro do Recife, e o Cinema da Fundação, no Museu do Homem do Nordeste, em Casa Forte, recebem a programação.
O tema Heroínas é o fio condutor dos longas-metragens selecionados por Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça Filho e Luís Fernando Moura. Nesses filmes, a representação habitual do herói masculino não faz parte de nenhum dos filmes, que em troca apresenta personagens femininas, ou noções de feminilidade que comandam cada filme nos mais variados tons e estilos de representação.
CONFIRA OS CLÁSSICOS SELECIONADOS DO TEMA 'HEROÍNAS' NO JANELA 2017:
- Aliens, o Resgate (Aliens, James Cameron, EUA, 1986, em DCP)
Nos anos 80 dominados pela masculinidade fortinha de Stallone e Schwarzenegger, James Cameron trouxe uma heroína sem igual num filme de enorme sucesso popular. Já uma herança afiada do excelente Alien (1979, exibido no Janela VII), de Ridley Scott, a personagem Ripley (Sigourney Weaver) é reconfigurada em máquina de combate, mas ainda humana, gentil. "Faça alguma coisa!!!", ela grita num momento chave de Aliens, arrancando literalmente o controle de um homem em pânico e assumindo as máquinas e o filme. Aliens, o Resgate é um exercício formidável de ação e terror, e onde Cameron e Weaver ainda acham espaço para explorar o elemento "Mãe" com curiosa energia física. Vai Ripley! Quebra tudo!
- As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (Die bitteren Tränen der Petra von Kant, Rainer Werner Fassbinder, Alemanha, 1972, em DCP)
Fassbinder trafega entre ópera e melodrama para adaptar peça de teatro sua neste diamante de imagem e forma deslumbrantes lapidado pela maneira do amor e pela urgência da expressão. À exceção de Midas e Dionísio, não à toa expostos na parede, apenas mulheres estarão ao redor de Petra von Kant para disputar humanidade, desejo e poder.
- Garota Negra/A Negra de... (La Noire de..., Ousmane Sembène, Senegal/França, 1966, em DCP 4K)
Uma máscara pode ser um souvenir ou uma presença lhe seguindo nas ruas. Ousmane Sembène, escritor e cineasta senegalês, filmou Diouana (Mbissine Therese Dlop) na Riviera Francesa, nos anos 60, e em Dakar. Trazida como uma boneca de trabalho para a mesma família que a empregou no Senegal, Diouana vai quebrando aos poucos, sob o peso da cultura, da história e do racismo ("Eu nunca beijei uma negra antes"). E Sembène nos oferece esse documento que registra o seu interesse pelo cinema francês, onde ele expressa a sua raiva, a sua poesia. Acima de tudo, ver essa restauração em 2017 significa pensar na representação, em quem filma, quem é filmado e como.
- Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (Chantal Akerman, Bélgica, 1975, em DCP)
Jeanne Dielman é viúva, mãe e, nas horas vagas, prostituta. Chantal Akerman filma assiduamente o dia a dia desta mãe, como ninguém antes ou depois, e talvez tenha inventado aqui uma forma de retrato e uma forma de política. O Janela exibiu seu último filme há dois anos, e agora resgata cópia restaurada da obra-prima da cineasta. Pequena surpresa abre a sessão.
- O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante (The Cook, The Thief, His Wife & Her Lover, Peter Greenaway, Inglaterra, 1989, em DCP)
Épico de cores vibrantes confinado em super-restaurante que Greenaway dirige como espetáculo sobre poder, pecado e justiça. Este palco barroco-chic é entregue de presente para a personagem de Helen Mirren viver real banquete de vingança, por vezes visto como alegoria maior da heroína diante do vilão liberal-conservador da era Margaret Thatcher.
- Pink Flamingos (John Waters, EUA, 1972, em 35mm)
Em tempos em que certas forças políticas nos coagem a permanecer asseados e inofensivos, a inescapável Divine e sua família fazem o que podem para não perder o título de gente mais imunda do mundo para o insolente casal ligado ao narcotráfico e à produção pornô. John Waters sabe filmar liberdade, e Divine merece sempre ser rainha de tudo.
- Protéa (Victorin-Hippolyte Jasset, França, 1913, em DCP)
Protéa, de Victorin-Hippolyte Jasset, apresenta a primeira heroína do cinema mudo, 104 anos atrás. Dizia-se de Josette Andriot (1886-1942), a estrela de Protéa, que ela "não tinha a beleza de um par românico, mas montava cavalos, fazia esgrima, nadava e era acrobata". Ela lutava com animais selvagens e pulava de lugares altos três anos antes de Mata Hari, na verdade, antes mesmo de "filmes de espionagem" serem inventados. E todos esses feitos eram reservados na época aos homens, algo que permanece um século depois.
- Suspiria (Dario Argento, Itália, 1977, em DCP 4K)
Dario Argento reescreve a noção da "donzela em apuros" num filme de horror de forte tom vermelho. Nesta fábula de cores surrealistas, Jessica Harper se imortalizou na pele da heroica Suzy Bannion, uma jovem dançarina norte-americana que vai à Europa para ter aulas numa companhia de balé povoada por bruxas e seres fantásticos.
- Tudo que o Céu Permite (All That Heaven Allows, Douglas Sirk, EUA, 1955, em DCP)
O romance entre Cary Scott (Jane Wyman), viúva bem-sucedida, e o jardineiro Ron (Rock Hudson), bem mais jovem que ela, por algum motivo é inaceitável para seus filhos, amigos e conhecidos. Douglas Sirk faz aqui um melodrama definitivo acerca do olhar da sociedade sobre a mulher na classe média americana dos anos 1950 e também um estudo imperecível sobre amor e preconceito.
- Uma Canta, a Outra Não (L'une Chante, L' Autre Pas, Agnès Varda, França, 1977, em DCP)
Pomme ajuda Suzanne a interromper uma gestação indesejada, num primeiro episódio para a encantadora trajetória de cumplicidade entre estas duas amigas, por meio da qual Agnès Varda, cineasta das mais importantes e queridas, fornece tanto o que o movimento de mulheres nos fazia aprender quanto olhar justo e cortês. Atenção para as passagens musicais.
- Vítor ou Vitória? (Victor/Victoria, Blake Edwards, EUA, 1982, em DCP)
Em encontro delicioso entre Blake Edwards e Julie Andrews, a atriz é a cantora Vitória (ou Vítor?), que se transforma em homem para ganhar os palcos da Paris de 1930. Comédia romântica divertida como poucas coisas já vistas, este retrato da transição é fino exemplo de uma Hollywood pautada então pela redescoberta das identidades.