Registrada pelo fotógrafo Aylan Kurdi em 2015, a imagem de uma criança síria refugiada morta, na praia da Turquia, tornou-se símbolo da crise migratória europeia – que só este ano contabiliza 3.165 mortos, segundo relatório divulgado na última terça-feira pela Organização Internacional das Migrações divulgado. Um ano depois, em momento mais que propício, Pernambuco recebe pela primeira vez uma exposição do renomado fotógrafo mineiro Sebastião Salgado: Exôdos, um documento poético e político sobre a história da humanidade em trânsito, aberta nesta quinta-feira (1), às 19h, na Caixa Cultural.
Sebastião Salgado dedicou seis anos de sua vida a Êxodos, entre 1993 a 1999. O fotógrafo percorreu 40 países, entre Índia, Filipinas, Vietnã, Paquistão, Iraque, Ruanda, Brasil e Colômbia, retratando a luta e a desolação de imigrantes, refugiados ou exilados em fuga da pobreza, repressão, guerras ou a soma de todos esses fatores. Com curadoria de Lélia Wanick Salgado, esposa e parceira de trabalho de Sebastião, a exposição reúne 60 fotografias, que se dividem em cinco séries: África, Luta Pela Terra, Refugiados e Migrados, Megacidades e Retratos de Crianças.
O bloco de imagens mais impactante é a África, continente que Salgado visitou várias vezes em diferentes projetos. Em 1994, foi derrubado o avião que levava os presidentes de Ruanda e Burundi, ambos de origem hutu, grupo que étnico majoritário em Ruanda. Extremistas hutus atribuíram o ataque a um grupo rebelde tutsu (comunidade minoritária) e iniciou uma campanha bem organizada de assassinato. Em cem dias, foram cerca de 800 mil mortos.
Enquanto os tutsi fugiam para os países vizinhos, Sebastião Salgado seguiu o caminho inverso. No documentário O Sal da Terra (2015), ele conta: “Fomos em direção à fronteira. Não havia segurança, não havia guardas. Quando entrei no Ruanda foi aterrador... A quantidade de mortos que encontrei na estrada. Uma granada havia explodido. Os que não morreram pela granada foram assassinados à facão. Foi aí que entendi a dimensão, a magnitude da catástrofe que estava testemunhando. Foi genocídio o que aconteceu naquele país. Foram mais uns 150 km até chegar nas cercanias de Kigali (capital do país). E eram 150 km de cadáveres”.
Sem nenhuma intervenção – a ONU e a Bélgica possuíam forças de segurança em Ruanda, mas não receberam ordens para conter a matança; os Estados Unidos estavam determinados a não se envolver em conflitos africanos –, o conflito foi piorando. Os tutsi retomaram o país e agora os hutus é que foram obrigados a fugir, instalando-se na região de Goma, no Congo. “Em poucos dias, no início de julho, Goma recebeu mais de dois milhões de pessoas”, relata o fotógrafo. “Instalava-se ali uma verdadeira catástrofe. Doenças como cólera passaram a se espalhar rapidamente. As pessoas passaram a morrer como moscas. Morriam de 12 a 15 mil pessoas por dia. Não tinham como enterrar e faziam pilhas de cadáver. Vi um homem levando seu filho para jogá-lo na pilha e depois ele saiu conversando com seu amigo como se nada tivesse acontecido”.
"O mundo inteiro deveria ver essas fotos", diz Salgado
Mas, como o próprio fotógrafo relembra, “o ódio é contagioso”. Em Srebrenica, antiga Iugoslávia, Salgado fotografou o maior massacre cometido na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial: em apenas uma semana, 8.373 bósnios muçulmanos foram mortos por tropas sérvias. “Nós, humanos, somos um animal terrível. Seja na África, na Europa, na America Latina. Somos de uma violência extrema”, diz ele. “Nossa história é uma história de guerras. É uma história que não tem fim. Uma história de repressão, uma história doentia. O mundo inteiro deveria ver essas fotos para constatar o quão horrível é a espécie humana”.
Em meio a descrença total de Salgado na humanidade e cenas tão cortantes da violência e desigualdade social, há também um breve suspiro de alívio: as crianças, que aparecem sorrindo, orgulhosas, tristes, pensativas. Por um instante, elas acreditam. Ou, nos versos de Chico Buarque, “apesar de você amanhã há de ser outro dia”.