Formado em Direito, Comunicação Social e História do Cinema, o pernambucano Nelson Caldas Filho trabalha atualmente como roteirista da TV Globo. Na emissora, ele tem a missão de adaptar as novelas da casa para o formato de DVD. De todos os já títulos lançados pelo canal, apenas A Escrava Isaura não passou por suas mãos.
Além de bater ponto na emissora carioca, onde escreve uma série de comédia já aprovada para 2017, é roteirista do longa brasileiro de terror Através da Sombra, de Walter Lima Junior, escrito em parceria com Guilherme Vasconcelos, e está envolvido em mais dois projetos cinematográficos.
Em entrevista ao Jornal do Commercio, Nelson fala sobre o ofício de "recontar" as novelas para DVD, com foco no lançamento da versão compacta de Avenida Brasil, assinado por ele, que chegou às lojas físicas nesta semana.
ENTREVISTA // NELSON CALDAS FILHO
JORNAL DO COMMERCIO – Quando a Globo te convidou para fazer as versões em DVD das novelas, você negou no primeiro momento. O que te levou a aceitar posteriormente?
NELSON CALDAS FILHO – A Globo me chamou pra adaptar DVDs porque já tinham muitas experiências frustradas. Nem mesmo o autor Aguinaldo Silva tinha conseguido adaptar Roque Santeiro. Então entrei como uma espécie de cobaia, e me neguei a fazer. Tinha medo do trabalho – “esculhambar” a novela inteira e recontar de novo tirando 80% dela, deixar à maneira do adaptador e ainda assinar: um pesadelo! Nem abri o trabalho, pensei em pedir demissão. Mas um ex-relacionamento meu me colocou na cadeira em frente ao computador e me obrigou a abrir o trabalho. Abri e já comecei a adaptar imediatamente. Foi uma vitória, ninguém tinha feito isso, e eu ainda estava verde no trabalho.
JC – Quanto tempo durou o processo desse primeiro DVD?
NELSON – Roque Santeiro durou mais tempo porque me disponibilizaram só o texto, o que foi um grave erro. Eu preciso das imagens, para poder analisar o todo. Teria feito melhor, inclusive. Durou muito tempo, uns sete meses. O processo estava errado, equivocadíssimo. Me neguei a fazer outras novelas somente por texto. Foi uma luta, mas convenci.
JC – De todas as novelas que você “reconstruiu” para o DVD, qual você gostou mais até agora?
NELSON – Considero meus melhores trabalho de adaptação, Dancin’ Days e Avenida Brasil. Em Dancin’ Days eu ousei e me dei ao desplante de colocar como personagem principal o bairro de Copacabana. Acertei, porque é uma novela onde o contexto pesa muito. Então recontei pelas beiradas, sem prejudicar a história principal nem tirar personagens. Sonia Braga e Joana Fomm não perderam seu brilho com isso. Ao contrário. Nas minhas versões, alguns personagens sobem e outros descem. Em A Sucessora, Natalia Timberg é a mais importante. Em Selva de Pedra, Dina Sfat ganha mais cenas que Regina Duarte, a protagonista. Dou umas invertidas e não me arrependo.
JC – O DVD de Avenida Brasil chegou nas lojas nesta semana. Poderia contar como foi o processo de reedição?
NELSON – Avenida Brasil, que é uma grande novela, é repleta de tantos ganchos que quase me deixou louco. Eu sabia que tinha que passar por cima, sabia da crise brasileira, então teria que eliminar muita coisa boa para baratear o produto e deixá-lo o melhor possível. Não sei o que dizer, mas consegui.
JC – Você disse que João Emanuel Carneiro deu a palavra final da versão que está à venda. Qual foi o feedback que você recebeu do autor da trama?
NELSON – Em Avenida Brasil, o autor João Emanuel me chamou pra reconstruir a novela com ele. Não dá certo. Para este trabalho não existe duas pessoas. É uma só. É uma máquina e uma lógica. Mais gente atrapalha, mesmo sendo o autor original. Aliás, este fator atrapalharia mais ainda, pois o autor é um ser humano e se apega a suas cenas. Eu não. Então fiz sozinho, quase endoidei. Foi um período difícil pra mim, inclusive, por problemas pessoais. Mas como disse, não sei como, terminei e em tempo recorde.
JC – Pensando no seu lado telespectador, qual cena de Avenida você fez questão de deixar?
NELSON – Avenida Brasil é tão interessante que não sei qual cena escolho aleatoriamente como a melhor. Talvez a sequência em que as protagonistas Carminha (Adriana Esteves) e Nina (Débora Falabella) invertem os papéis de patroa e empregada. É bem dramático mas também muito engraçado. É uma obra-prima onde Adriana Esteves mostra a que veio.
JC – Em tempos de Netflix, e a própria Globo investindo em plataformas como a Globoplay, ainda há mercado para as novelas em DVD?
NELSON – Hoje as plataformas são muitas, a concorrência é feroz, mas o ser humano ainda tem o fetiche de ter a obra em sua prateleira. É um produto de luxo, e as pessoas realmente assistem. Até eu. Mas temos que lembrar que a linguagem é mais dinâmica que na novela original, então isto facilita o consumo da obra. A pessoa sabe que não vai perder tanto tempo assistindo, como acontece nas novelas muito longas no ar. Desde sempre o espectador hesita se vai assistir ou não. É cultural já.
JC – Qual novela você gostaria de reconstruir futuramente?
NELSON – As tramas que chegarão em breve estão sendo estudadas ainda, só vou saber e opinar quando voltar de férias. Depois de Avenida Brasil, quero sumir e descansar, o que significa inevitavelmente, escrever outros projetos.