O efeito Anos Rebeldes se repete: troque-se o Fora Collor dos anos 90 pelo tsunami de delações neste primeiro ano pós-Impeachment de Dilma, e a Rede Globo de televisão volta a apostar numa trama que tem a ditadura militar como fundo. Exatamente como fundo: o cenário de botas pisando sobre o Brasil do "ame-o ou deixe-o" é apenas o papel de parede para o que de fato a série Os Dias eram assim, exibida desde ontem no horário nobre da emissora, revele o que é: um Romeu e Julieta decorado com os anos de chumbo.
Na trama, a personagem de Sophie Charlotte, atriz de uma beleza com força de jurisprudência, enfrentará a autoridade do pai intimamente ligado aos coronéis de Brasília para viver um súbito amor com o personagem do ator Renato Goés, um médico de cores ligeiramente esquerdizadas e de amigos mais envolvidos na médula com pichações e bombas.
Noiva de um jovem representante da alta sociedade carioca (na pele do marido Daniel Oliveira), ela deve catalisar os próprios ímpetos subversivos afrontando o pai com o novo amor. Vilão que dispensa legendas, o patriarca defendido por um Antônio Calloni no auge da potência artística é, adivinhem, dono de uma empreiteira. Qualquer semelhança com o Brasil da Odebrecht não terá sido apenas decalque.
Mas o primeiro expediente do pernambucano Renato Góes como protagonista na TV, tarimbado depois de uma rápida, mas incisiva participação na novela Velho Chico como a cara jovem do personagem de Domingos Montagner, começa prejudicado pelo que, de resto, compromete a série como conjunto.
Se a direção de Pedro Vasconcelos imprime sobriedade e verossimilhança ao trabalho dos atores, a edição final mutila o que precisaria estar intacto. Se a Globo parecia estar mais disposta em reaproximar sua dramaturgia eletrônica dos tempos emocionais do teatro, como na última e brilhante minissérie Justiça, ambientada no Recife, agora a faca está com lâmina dupla.
Caio Blat é preso e torturado num quadro. Corta. Sophie Charlote beija Renato Góes. Corta. O pau da cavalaria come solto sobre a estudantada subvsersiva. Corta. Os personagens mal respiram. Nem a trilha sonora de pérolas setentistas tem tempo de nos emocionar. O primeiro capítulo da super série começou com ritmo de um desses teasers que assistimos em encontros de realizadores tentando seduzir patrocinadores.
AOS SOPAPOS
A direção de arte, em cenários e figurinos, foge à folclorização. Imprime realismo sóbrio. Mas não o suficiente para uma densidade. Em sua estréia, Renato Góes não exibe magnetismo excessivo, mas seu personagem, também sóbrio, está claramente muito bem hospedado em sua pele. E se a série já deixa antever que, ao contrário da Anos Rebeldes que virou referência de política em folhetim eletrônico no patropi, os personagens não estarão a serviço da narração de alguns dos fatos históricos mais emblemáticos do Brasil na última ditadura - os fatos, estes sim, serão a decoração do romance que sintetiza a trama. E o ritmo do capítulo de estreia nos leva a crer que esse amor será levado mesmo levado aos sopapos.