A personalidade cheia de mistérios de Abel, na série Vade Retro, da TV Globo, em nada se parece com a de seu intérprete. Tony Ramos é uma pessoa simples, sem rodeios, de conversa franca. Aos 68 anos, 53 deles de carreira televisiva, ele ainda se encanta com cada novo trabalho e diz levar uma vida pacata. Também é adepto dos antigos hábitos: prefere ler as notícias diárias em um jornal impresso a ter uma página pessoal em uma rede social. "Eu já sou exposto naturalmente pela minha profissão; não quero me expor mais", explica.
Tony não se importa em emendar uma interpretação em outra. Vade Retro ainda nem chegou ao último capítulo e ele se prepara para viver um homem da década de 1920 na próxima novela das 18h da Globo, de autoria de Alcides Nogueira, ainda sem título definido. "Pedi 15 dias de folga e já estarei gravando a todo o vapor. A estreia é no final de setembro ou início de outubro. As gravações começam em junho", adianta ele.
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Leia a seguir a entrevista completa:
O que te levou a aceitar o papel de Abel em 'Vade Retro'?
TONY RAMOS - O texto. Quando me foi oferecido o roteiro, o primeiro questionamento que tive foi: 'Ele chega ao público?'. Eu li até o capítulo três e já avisei que estava dentro. O que me cativou muito foram as conferências, as palestras que o Abel dá. Felizmente, na minha vida profissional, eu posso escolher projetos, não há um pedantismo burro meu, mas é um fato, uma conquista. E, quando eu me deparei com esse roteiro, pensei: 'Opa! É meu!'.
A série fala sobre o bem e o mal e como Deus e o diabo podem "habitar" cada ser humano. Você é do tipo que faz pequenas maldades cotidianas?
TONY - Eu não faço pequenas maldades; acredite você ou não. Eu tenho muito bom humor, mas não é o bom humor bobinho ou fingido. É claro que tem o dia da unha encravada, o dia da dor de cabeça, que a idade se faz presente, mas eu não levo isso para frente. Você tem todo o direito de duvidar do que eu estou falando, mas eu não tenho essas cutucadas. Eu só não gosto da soberba. Quando a soberba e o tom blasé vêm para cima, aí eu viro um ítalo-hispânico-português. É diferente.
Até o final da série não saberemos se Abel, de fato, é o diabo. Por falar nisso, você acredita no diabo?
TONY - Eu não! Eu acredito em Deus. Há um ser maior. Eu não tenho gurus, não sigo nada nem ninguém. Ninguém para mim tem a verdade absoluta. Deus que é um ser não palpável. É o ser maior, absoluto. Não sei como ele é e não me importa. A fé habita cada um de nós ou não. Respeitemos a vida assim. Sobre o Abel ser ou não o diabo: nem a Fernanda Young ou o Alexandre Machado sabem (risos).
Existe uma forte onda conservadora atualmente. Houve cuidado para evitar polêmicas ou a intenção é cutucar mesmo?
TONY - Acredito que, com respeito, você vai a todos os pontos e todas as frequências que, de alguma forma, podem ser delicadas para o ser humano. Nós temos que falar sobre tolerância, sobre liberdade de expressão, de gênero. O importante é ter esse espectro todo respeitado em um belo texto. A religiosidade da gente está ali, continua ali.
Já se fala em uma segunda temporada de 'Vade'...
TONY - Sei que há pensamentos da empresa sobre isso. Dá tempo de fazer minha próxima novela, terminar a novela... daí eu vou para a Itália ou vou para o meu sitiozinho, e a gente emenda, tudo bem. Deixo crescer um pouco mais o cabelo...
Conta pra gente os detalhes desse novo trabalho...
TONY - Vou fazer a nova das seis, do Alcides Nogueira. A trama acontece a partir de um tema do Rubem Fonseca. Então, quando eu olhei aquilo, pensei: 'É claro que quero fazer!' Pedi 15 dias de folga e já estarei gravando a todo o vapor. A estreia é final de setembro, início de outubro. As gravações começam em junho. Meu personagem é histórico, do início do século XX. Não vou falar ainda, aguardem. Não é fricote, é porque implica liberações...
E o visual desse personagem?
TONY - É dos anos 1920. Vou ter que cortar mais o cabelo. Não sei se tenho que deixar crescer o bigode ou não. Estamos na fase mais delicada, que é a criação. Não é que eu goste de participar desta fase, eu preciso participar dela, é fundamental para mim. Eu tenho uma vivência absurda nesse negócio de novela. Nessa joça aqui eu estou há 53 anos. É muita coisa. Eu preciso estar junto. Já recebi 18 episódios, comecei a ler, a anotar coisinhas, as tais entrelinhas que são importantes. Depois a divisão de pesquisa da novela vai me trazer outros dados do século passado.
O que você não perde na televisão?
TONY - 'Globo Rural'. Também gosto de 'Esporte Espetacular'. Não perco as novelas, porque eu quero sempre saber. E vejo outros canais e suas novelas. Não fico seguindo, mas vejo. Vejo o 'Tá no Ar: a TV na TV', que acho muito engraçado, os telejornais... e gravo muitas coisas. Tenho quatro gravadores em HD. Netflix eu vejo devagar. Não acho legal tudo o que tem lá, não... Mas tem coisas boas. Não faço maratona! Sou de outra praia. Eu gosto do prazer de ir aos poucos. Depois de duas horas já chega.
Qual hábito antigo que você não perdeu?
TONY - Ler jornal diariamente. Na minha mão. É carnal essa relação. O jornal, a caneca de café, o cachorro me lambendo, pedindo para sair, isso eu não vou perder nunca. Vai ser assim até o dia em que eu me for. O jornal é importante para mim. Eu leio três jornais diários e gosto de saber o que está acontecendo. As revistas semanais eu também gosto de tê-las nas minhas mãos.
Os netos lhe ensinaram outros hábitos modernos?
TONY - Não adquiri nenhum hábito moderno: não tenho Facebook, não tenho Twitter, não tenho Instagram e Snapchat. Eu sei de tudo isso, não nego essas tecnologias. Parece o cara chato ficando muito mais velho e com uma visão torta da vida. Não é isso. Eu já sou exposto naturalmente pela minha profissão; não quero me expor mais. É uma questão de perfil, viu? Eu não quero saber da vida dos outros. Minha mulher também não tem redes sociais. A gente curte muito a vida em uma simplicidade que você ficaria atônita. A gente lê livros, a gente toma vinho juntos, a gente namora, a gente brinda, passeia, anda... os netos chegam e ficam nessa coisa toda aí com os iPads. Eu jogo tênis com eles, futebol. São hábitos corriqueiros e simples. Estão de bom tamanho. Não quero nada que complique isso.
Haja tempo para fazer tudo isso, não?
TONY - Todos nós temos tempo. É só querer!