Série de TV tem foco na construção da sexualidade na infância

Borboletas e Sereias, criada por Bárbara Cunha, será veiculada nas TVs públicas

Amanda Pietra/Divulgação
Borboletas e Sereias, criada por Bárbara Cunha, será veiculada nas TVs públicas - FOTO: Amanda Pietra/Divulgação

Assunto constante em consultórios de psicanalistas, nos lares e nas escolas, a sexualidade infantil já começa a deixar de ser um bicho de sete cabeças. A cada instante, surgem casos de meninos e meninas que não se identificam com o sexo em que nasceram e que começam a se comportar com o gênero que não lhes pertencem. A partir de casos de filhos de celebridades – mais sensíveis aos holofotes da mídia –, em filmes que expõem o comportamento das crianças ou em livros escritos por especialistas, a discussão sobre a construção da sexualidade na infância vem ganhando foros mais abertos.

Agora, o tema deve chegar em breve à TV pública brasileira com a série Borboletas e Sereias, que está sendo realizada em Pernambuco, São Paulo e no Rio de Janeiro. A série tem como foco o público infantil e traz como personagens crianças de 5 a 11 anos, que já conversam sobre assuntos complexos que rondam o universo delas, como diversidade, identidade de gênero e estereótipos. Criada pela pernambucana Bárbara Cunha, Borboletas e Sereias terá 13 episódios (de 13 minutos cada) e também um documentário de longa-metragem, com a participação de pais e psicólogos.

Inicialmente idealizado como curta-metragem, o projeto virou tema para uma série depois que surgiu a demanda de um edital do Programa de Apoio ao Audiovisual Brasileiro – Prodav, da Ancine, destinado à TV Pública. “Esse projeto já tem uns quatro anos, mas não rolava por causa da complexidade do tema. Tudo começou com uma ignorância minha mesmo, de eu conhecer algumas crianças trans e não entender nada sobre o assunto. Algumas do entorno do meu filho, que eu queria que ele se relacionasse bem, que ele não fosse uma pessoa preconceituosa com crianças que tem essas particularidades. Comecei a pesquisa e vi que era tabu mesmo. Não se toca nisso na infância, agora estão começando a falar, mas é muito recente mesmo”, explica Bárbara.

IDENTIDADES FLUIDAS

Para entrar no universo dessas crianças, que Barbara já vinha mantendo contato há pelos menos dois anos, com a anuência dos pais e do Juizado de Menores, ela utilizou, para batizar o nome da série, dois seres que povoam o imaginário delas, as borboletas e as sereias. “É uma referência a um lugar de transformação e metamorfose. A borboleta passa pela metamorfose e, simplesmente, não tem genital. São coisas que as crianças entendem bem. As sereias são um lugar para as crianças trans. Todas as meninas trans são alucinadas por sereias por causa de elas não terem sexo, são metade peixe, metade mulher”, esclarece.

Embora o documentário trate de identidade de gênero na infância, a ênfase não se dá apenas nos casos específicos de transexualidade. Com o apoio de consultores e apoiada em pesquisas, Bárbara foca também na construção de identidades mais fluidas, que fogem dos estereótipos, como as crianças não-binárias. “Crianças não-binárias são meninos que se enxergam como meninos, mas que querem usar vestidos e ter cabelo grande; ou meninas, que querem raspar a cabeça com cinco anos, jogar bola e não querem saber de bonecas. Eu tenho trabalhado nesse universo da fluidez, ao qual as crianças trans também fazem parte”, reforça.

Para Bárbara, as crianças trans têm uma certeza contínua e constante sobre a sua identidade. Durante as pesquisas, com crianças de todos os estados brasileiros, ela viu de perto a afirmação de que não se trata de uma fase em que elas experimentam brincar de ser menino ou de princesa. A falta de escuta e de acolhimento podem levá-las, no futuro, a atentaram contra a própria vida. “A importância dessa escuta tanto pelo profissional quanto pela família e pela escola, é uma garantia de vida a essa criança, pois ela está dizendo o que ela é. Muitas vezes eu perguntava: como é que você tem certeza? Elas respondiam, bem simples: ‘Alguma vez você teve dúvida de que é mulher? Então, para mim é a mesma coisa, eu não tenho dúvida, só que meu corpo quer dizer outra coisa’”, exemplifica a cineasta.

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