'O Mecanismo' gera discussões e boicotes pelo Brasil

Novo projeto do diretor José Padilha, 'O Mecanismo' promove reações adversas por parte do público; boicote à Netflix é uma delas

Foto: Netflix/Divulgação
Novo projeto do diretor José Padilha, 'O Mecanismo' promove reações adversas por parte do público; boicote à Netflix é uma delas - FOTO: Foto: Netflix/Divulgação

O diretor José Padilha decidiu utilizar suas ferramentas de contação de histórias para ficcionalizar principais eventos da Operação Lava-Jato. Assim surgiu O Mecanismo, série lançada na última sexta-feira pela Netflix. Quando o projeto foi anunciado, muita gente questionou como seria possível reunir tantos acontecimentos e equilibrar a representação dos envolvidos. E, em um momento politicamente tenso, não era difícil imaginar que O Mecanismo seria recebida com discussões acaloradas. A estreia num período no qual é julgado o recurso da defesa do ex-presidente Lula pôs mais lenha na fogueira. Desde sexta-feira as reações pululam na internet.

Baseada no livro Lava Jato: O Juiz Sérgio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil, de Vladimir Netto, a série é exibida com o aviso sobre a modificação de "personagens, situações e outros elementos para efeito dramático".

A produção do diretor José Padilha e da roteirista Elena Soarez começa com a investigação dos policiais federais Marco Ruffo e Verena Cardoni sobre o doleiro Roberto Ibrahim. Por vezes, as ações deles esbarram no modo de agir de funcionários do Ministério Público Federal, chamado na série de MFP. O juiz Paulo Rigo não aparece tanto quanto eles. Teve quem exaltasse e quem achasse que a vaidosa representação do juiz Sergio Moro era irônica.

Já o núcleo político surge basicamente tentando escapar ou tirar proveito das investigações para chegar ao poder. Integrantes da situação e oposição têm outros nomes, mas é possível identificar referências. Em algumas cenas, empresários e doleiros falam sobre ações envolvendo vários partidos.

A primeira temporada de O Mecanismo contempla parte da história e um de seus blocos remete ao caso Banestado e à delação premiada do doleiro Alberto Youssef. Uma das críticas da presidente Dilma à série é relacionada a isso: "O caso Banestado não começou em 2003, como na série, mas em 1996, no governo FHC".

Entre outras coisas, também foi criticada por Dilma e por muitos espectadores uma cena em que João Higino diz algo sobre "estancar a sangria". "O senador Romero Jucá, líder do golpe, afirmou isso numa conversa com o delator Sérgio Machado (...). Na ocasião, Jucá e Machado debatiam como paralisar as investigações da Lava Jato contra membros do PMDB e do governo Temer, o que seria obtido pela chegada dos golpistas ao poder", afirma Dilma.

A O Globo, Padilha se pronunciou sobre as reações. "A esquerda enlouqueceu e ficou tão hipócrita quanto a direita. Hoje estão todos de mãos dadas. Depois o maluco é o Ruffo...", dispara Padilha, referindo-se ao delegado da Polícia “Federativa” que tenta prender os corruptos de plantão.

Polêmica aumenta visibilidade da obra

Uma das passagens mais condenadas na série de Padilha é a do personagem João Higino. Além das críticas, há também um movimento de boicote à Netflix. Um deles é o crítico de cinema mineiro Pablo Villaça, que além de ter divulgado o cancelamento de sua assinatura, baniu os textos sobre produções originais da Netflix de seu site. Vários outros usuários também postaram prints da comprovação do cancelamento.

Para o pesquisador Caio Castro Mello, mestre em Comunicação pela UFPE e pesquisador de ativismo político em redes sociais, a ação do boicote é algo performático. "Trata-se de algo além do ato de recusa a um produto, o foco desse tipo de comportamento é a ‘manifestação’ de recusa, o compartilhamento de um ato político. Mas, isso não significa que seja algo ‘fake’ ou menos importante. Na verdade, o caráter performativo de atos políticos na rede, como este, dão sentido à própria construção das identidades nessas mídias", explica.

Caio também ressalta que o boicote abre margem para um movimento de oposição. "Enquanto um movimento de fãs e apoiadores poderia ficar no campo do silêncio, caso a série não tomasse essa proporção, a partir dos atos de boicote, o surgimento de apoiadores é uma consequência esperada", afirma.

Indo além dos pontos acerca das decisões narrativas, o pesquisador de cultura pop e jornalista Antônio Lira aponta que o contexto da produção também suscita problemáticas. "Diferente de Narcos e Tropa de Elite, que são obras de Padilha que possuem um grande distanciamento temporal da concretização do produto em relação aos eventos que representam, O Mecanismo fala de muita coisa que está ativa ainda. Isso já é problemático por si só".

Ele aponta que o contexto ganha outros contornos por causa do momento muito polarizado do país, em relação às eleições. "Ela começa problemática. Independente de seu conteúdo, já tinha uma grande quantidade de pessoas dispostas a boicotar a série até mesmo antes do lançamento", salienta Lira.

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