'Jessica Jones' volta com golpes menos certeiros, mas igualmente duros

A super-heroína problemática chega para a segunda temporada da parceria entre Marvel e Netflix mais introspectiva, mas não menos sarcástica e explosiva

Foto: Divulgação / Netflix
A super-heroína problemática chega para a segunda temporada da parceria entre Marvel e Netflix mais introspectiva, mas não menos sarcástica e explosiva - FOTO: Foto: Divulgação / Netflix

Em tempos de Time's Up e #MeToo, nada mais congruente do que o retorno de Jessica Jones, série criada pela Netflix em parceria com a Marvel que gira em torno da homônima super-heroína problemática, ter se dado em 8 de março, no Dia Internacional da Mulher. A trama — que na primeira temporada, em 2015, abordou temáticas atuais e relevantes como relacionamentos abusivos e abusos sexuais —, entretanto, volta mais de dois anos depois com golpes menos certeiros, porém igualmente duros, sendo marcada por momentos mais introspectivos.

A nova leva de episódios embarca em uma depressiva e violenta jornada ao passado de Jessica (Krysten Ritter) e à descoberta da origem dos seus super-poderes — ainda que ela prefira não dar nomes aos bois. Diferentemente do que acontece nos quadrinhos, a protagonista não adquire sua super-força e resistência em virtude do acidente de carro que sofreu quando adolescente (após o veículo de sua família colidir com um caminhão com carga radioativa), mas do que se sucedeu após o desastre, dos experimentos aplicados pelo Dr. Karl Malus (Callum Keith Rennie). Ele, que a resgatou dos destroços, é o principal cientista por trás da IGH — instituição que se torna o principal alvo das investigações da Alias (agência de detetive particular de Jessica, que também tem a gênese do seu nome revelada na trama).

Quem se envolve até o pescoço com o caso é Patsy/Trish Walker (Rachael Taylor), irmã adotiva e melhor amiga de Jessica. Em busca de relevância na sua vida pessoal e profissional, a dona da voz do programa de rádio Trish Talk aparece mais obsessiva a cada capítulo, obstinada a cavar os segredos escusos da IGH, mesmo que isso a leve a mergulhar em um profundo abismo interior. A relação entre Trish e Jessica, inclusive, ganha contornos dramáticos. Isso porque a personagem, bem menos explorada na temporada predecessora, passa a imprimir complexidades e nuances. A exprimir características e comportamentos que apontam para uma possível transformação na heroína Felina/Hellcat. Não é à toa que no oitavo episódio ela arranha o rosto de um valentão homofóbico, dando indícios da aparição de suas garras.

Outra forte personagem feminina que tem a chance de se destacar é Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), a gananciosa advogada que vez ou outra emprega os serviços de Jessica. Agora, lutando contra uma Esclerose Lateral Amiotrófica, ela busca descobrir os podres dos seus próprios associados, que querem lhe chutar para fora da empresa, e uma cura improvável para sua doença. Ao longo dos episódios, quem também se mostra ambicioso é Malcom (Eka Darville), o vizinho e sidekick de Jones na Alias, ex-viciado em drogas por influência de Kilgrave (o sensacional David Tennant) — vilão da 1ª temporada que tem o poder de controlar a mente das pessoas e acaba sendo assassinado por Jessica.

Sem uma estrutura clássica de vilão vs. mocinho, a impressão que fica é de que o roteiro foi construído de forma a preencher o vazio deixado pela ausência do Homem-Púrpura. Por isso, a presença de tantos dramas paralelos. Eles fazem sentido da metade para o final da temporada, quando os arcos começam a se entrelaçar, mas parecem desconexos e arrastados até chegarem lá. Essa mudança de enfoque também permite que outros temas, tão importantes quanto os abusos e manipulações sofridos pela detetive em sua relação com o antagonista, ganhem espaço. Questões familiares, raciais e de gênero entram em pauta, por exemplo, assim como a truculência policial.

Contra o assédio

Apesar da profusão de temáticas, o aceno a Hollywood e aos movimentos contra o assédio não se dissipa, sobretudo quando se nota que todos os 13 episódios foram dirigidos por mulheres. No enredo, isso fica claro quando surge um diretor de cinema e televisão que se aproveitou de Trish no começo da carreira. De forma mais latente, a questão também é levantada quando a heroína se nota livre de Kilgrave, mas não dos traumas causados por ele. E são esses demônios internos que ela enfrenta agora, os fantasmas (literais) de um passado sombrio.

Com ótimas reviravoltas, Jessica Jones traz sua personagem-título mais reflexiva, sem deixar de lado sua típica personalidade sarcástica e explosiva. Com menos cenas de pancadaria, a trama pode ter perdido um pouco do ritmo, mas não a sua essência neo-noir “super-heroística”, uma mistura estética e narrativa que dá muito certo. E ainda homenageia o cinema noir com um easter egg memorável: a exibição de A Marca da Maldade (1958), clássico de Orson Welles, em um momento íntimo e confessional entre Jessica e Trish.

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