ENTREVISTA

Ronaldo Correia de Brito: "Meu batismo de escritor aconteceu no Recife"

O escrito cearense radicado na capital pernambucana lança neste domingo (22/10) Estive lá fora, romance que resgata o ambiente duro da ditadura militar brasileira

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Publicado em 21/10/2012 às 6:29
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O escrito cearense radicado na capital pernambucana lança neste domingo (22/10) Estive lá fora, romance que resgata o ambiente duro da ditadura militar brasileira - FOTO: Jorge Clésio/Divulgação
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Depois do premiado Galileia, o livro Estive lá fora (Alfaguara), do cearense radicado em Pernambuco Ronaldo Correia de Brito, marca a volta do autor ao gênero que deu repercussão nacional e internacional à sua obra. O romance ganha lançamento neste domingo (22/10), a partir das 18h, na Livraria Cultura. Nesta entrevista, ele comenta das semelhanças e diferenças em relação ao protagonista da obra, Cirilo, e fala do teor político da narrativa, que se passa no Recife em meio ao clima sufocante da ditadura militar.

JC – Há um sentido simbólico em fazer o lançamento de Estive lá fora aqui no Recife, não? O que a cidade significou para você e para a sua literatura quando a conheceu e o que ela significa hoje?
RONALDO CORREIA DE BRITO –
Embora eu tenha feito um primeiro lançamento em São Paulo e tenha programado outros lançamentos em São Paulo e Belo Horizonte, é como se o meu teste de escritor fosse aqui no Recife, o cenário do romance. Fiquei deslumbrado quando vim morar nessa cidade, em 1969. Já vivi todos os sentimentos com o Recife, dos melhores aos piores, mas nunca deixo de me surpreender e encantar com as descobertas de novos ângulos, mesmo com esse caos urbano em que estamos mergulhados, um caos bem diferente do que encontrei há 43 anos, nas sombras da ditadura militar.
Meu batismo de escritor aconteceu no Recife. Ser reconhecido pelas pessoas como um dos seus escritores é uma necessidade para mim.

JC – Em que medida Cirilo, esse jovem cearense que vem para o Recife no auge da ditadura, é Ronaldo Correia de Brito? E em que medida ele não é?
RONALDO –
Todos os personagens que criamos estão impregnados da nossa memória, desejos, medos. Em Galileia, acharam que eu era Adonias. Agora, apostam que sou Cirilo. O fato de Cirilo ser um jovem estudante de medicina, de ter vindo do interior do Ceará e de ser um rebelde sem causa nos aproxima. Mas ele está mais próximo das minhas ideias, da ética que sempre busquei e dos meus anseios de liberdade do que de minha história pessoal. Quando aparecem alguns fragmentos de biografia, eles estão ali para dar consistência ao romance.

JC – A confusão entre autor e personagem e entre ficção e memória é intencional? Você busca explorar essas fronteiras, gerar certa confusão na mente do leitor?
RONALDO –
Na verdade, essa confusão existe dentro de minha própria cabeça. José Castello escreveu que descobriu uma chave para ler o romance no capítulo 9, quando o personagem Cirilo narra seus sonhos. Os sonhos relatados foram sonhados por mim de verdade, como se eu fosse Cirilo. Eu me levantei da cama, anotei e depois os transformei num capítulo do livro. Não existe escritor que não se misture com seus personagens. Os leitores correm o mesmo risco.

JC – No livro, você ainda mostra o conflito de duas visões externas do que é a política com a angústia de Cirilo, que não aceita o discurso autoritário dos militares e da direita nem dos subversivos e da esquerda. Estive lá fora é o mais político – pela discordância da política – dos seus trabalhos? Como foi voltar a esse tempo tão angustiante para você e para o personagem?
RONALDO –
Gostei quando Manuel da Costa Pinto escreveu na Folha de São Paulo que Estive lá fora é um livro de ideias. Eu saí dos contos para os romances porque desejava ter mais espaço para desenvolver ensaios sobre o que penso. No capítulo 22 o personagem Cirilo escreve uma carta à mãe – que ele nunca enviou –, em que ele expõe toda a falácia do comunismo e seu horror a qualquer forma de controle do Estado ou das religiões sobre as pessoas. Trata-se de um ensaio político, retomo uma discussão do escritor judeu Isaac Babel sobre o tema da violação do sagrado e de quanto é relativa a liberdade. Sem dúvida, esse romance traz muitas questões políticas. Mas toda literatura é politizada, qualquer que seja. Talvez isso apareça mais claramente em Estive lá fora porque analiso os fatos de quarenta anos atrás, com a maturidade de um escritor de 61 anos.

JC – Você já definiu Estive lá fora como uma narrativa de elementos pós-modernos. Como esses elementos estão na história?
RONALDO –
Essas sugestões de pós-modernidade partiram de Schneider Carpeggiani e Alexandre Costa Lima. Eu acredito numa pós-modernidade que não perde a referência do mito. Na minha literatura busco sempre o que está atrás. Por isso os meus personagens possuem uma memória de Sertão, estão presos a um passado mítico.

Leia mais no Caderno C do Jornal do Commercio neste domingo (22/10).

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