ENTREVISTA

Antonio Cicero e o fazer poético depois das vanguardas

Convidado da Fliporto deste ano, o poeta e filósofo conversa com o JC sobre os dois livros que lançou neste ano

Diogo Guedes
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Publicado em 04/11/2012 às 6:15
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Convidado da Fliporto deste ano, o poeta e filósofo conversa com o JC sobre os dois livros que lançou neste ano - FOTO: Divulgação
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“Eis o que torna esta vida / sagrada: / ela é tudo e o resto, nada”. Em meio a referências mitológicas e a reflexão que surge do cotidiano, o escritor e filósofo Antonio Cicero cria a poética do seu novo livro de versos, Porventura (Record, 80 páginas, R$ 25), que interrompe um hiato de dez anos desde o lançamento de A cidade e os livros. A obra é o segundo lançamento do autor no ano, que ainda se propôs a definir as diferenças entre versos e reflexão metódica na obra Poesia e filosofia (Record, 144 páginas, R$ 30). Convidado da Fliporto deste ano, ele conversa no festival com João Almino sobre o ato de construir com a palavra – tema presente também nesta sua obra poética mais recente. Na entrevista abaixo, o autor comenta sobre voltar a expor seus versos depois de tanto tempo e ainda pensa os caminhos da poesia hoje, depois dos efeitos dos movimentos modernistas: “Não há mais lugar para a vanguarda. Assim, em princípio, todos os caminhos formais e temáticos estão abertos para o poeta contemporâneo”.

JC - A contracapa de Porventura dá uma amostra da poética da obra: a busca por agarrar o passageiro. Você relaciona a poesia ao processo de materializar o fugaz? Existe um intuito definível para o poema?
ANTONIO CICERO –
Não. O processo de guardar o fugaz é certamente um dos intuitos definíveis para o poema, mas há muitos outros, alguns dos quais não são definíveis. No total, a poesia é um “je ne sais quoi”, como se diz desde a renascença, um “não sei quê”.

JC – Porventura foi publicado dez anos depois do seu último livro de poesia. Esse tempo foi de trabalho poético? Existe um tempo mais lento para a poesia?
ANTONIO –
O tempo da poesia não é necessariamente mais lento do que o tempo do cotidiano, mas é outro. Isso diz respeito tanto ao tempo de fazer quanto ao tempo de ler um poema. Quando começo a fazer um poema, pode ser que ele fique pronto rapidamente, mas pode ser que demore anos; e pode ser que jamais fique pronto. O poeta não controla totalmente esse processo. Ao contrário, começar a fazer um poema é pôr-se a serviço dele, isto é, permitir-se ser controlado pelas necessidades do poema.

JC – Em que sentido ser poeta é ser “uma África”, citando um de seus versos? Isso diz mais sobre a poesia hoje ou sempre foi assim?
ANTONIO –
Ser um poeta é uma África porque é uma proeza ou façanha. E em fazer poemas há, como no Continente Negro, algo de misterioso, entre a miséria manifesta e a riqueza oculta.

JC – Significa algo ser um poeta contemporâneo? Existem elementos que são próprios do fazer poético hoje, uma condição comum, ao menos?
ANTONIO –
Sim. O poeta contemporâneo vive depois que se cumpriu a tarefa das vanguardas, que foi a de, desmistificando ou desfetichizando, isto é, desenfeitizando certas formas e temas tradicionais, abrir todos os caminhos formais e temáticos para a poesia. Essa tarefa já tendo sido cumprida, não há mais lugar para a vanguarda. Assim, em princípio, todos os caminhos formais e temáticos estão abertos para o poeta contemporâneo. Ele pode, por exemplo, fazer um poema visual ou escrever um soneto. Na prática, porém, cada poeta tende a seguir o caminho particular que, a partir de suas inclinações, sua formação, suas convicções, a poesia lhe indica.

Leia abaixo dois poemas de Porventura:

Desejo

Só o desejo não passa
e só deseja o que passa
e passo meu tempo inteiro
enfrentando um só problema:
ao menos no meu poema
agarrar o passageiro.

Cidade

Para Arthur Nestrovsky

Lembro que o futuro era uma cidade
nebulosa da qual eu esperava
tudo e que, sendo uma cidade, nada
esperava de ninguém. Ah, cidade
sonhada de avenidas macadâmicas,
turbas febris e prédios de granito:
o que era que eu perdera e que, perdido
e em cacos, buscava nas tuas áridas
calçadas e esquinas? Hoje constato
que a névoa do futuro do passado
adensa-se dia a dia. De longe
teus contornos são mais arredondados.
Tu, cidade irreal, aos poucos somes:
já anseio te rever e já te escondes.

Veja a entrevista completa no Jornal do Commercio deste domingo (4/11)

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