Aos 18 anos, o poeta pernambucano Marcus Accioly escreveu o primeiro livro – o inédito Adeus – com a certeza de que seria o último: achava que ia morrer logo depois de atravessar a porta da maturidade. A tragédia não aconteceu na época, não aconteceu aos temidos 20 anos e nem aos 24, idade simbólica da morte do seu grande mestre épico, Castro Alves. Só ao completar 40 anos é que passou a crer no oposto – parou de pensar na morte e chegou a achar que ela não chegaria mais. Felizmente para a poesia nacional, ele viveu para publicar 14 livros e chegar aos 70 anos, celebrados nesta segunda (21/1), em pleno auge de sua produção, ainda mais no momento em que se candidata a uma vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL).
Chamar o período atual de auge não é desmerecer a trajetória de obras como Latinomérica, Sísifo, Narciso e Cancioneiro, entre outras, é apenas um atestado da intensa escrita em versos do autor hoje. Um simples passeio na tela do seu computador – é no escritório no andar de cima do prédio no Bairro Novo que ele diz “se esconder” de todos para escrever – mostra que são dez livros gestados ou em processo de gestação, entre poemas épicos, autos, obras infantis e até mesmo uma reunião de crônicas, todas marcadas pela escrita meticulosa de Accioly, um dos grandes nomes da tradição da poesia épica brasileira.
O 70 da idade que celebra, segundo ele, é um número enganoso. “Dizem que 7 é a conta do mentiroso. O zero é nada, então, eu não estou nem acreditando que estou chegando aos 70”, brinca o poeta. “Eu me sinto da mesma idade que era. Gosto de uma frase de Sartre: ‘Se alguém me vê como velho, então, a velhice não está em mim, está nele’”.
Se a juventude é tida por todos como a época mais produtiva para a escrita, Aciolly se esforça em provar que o preconceito está errado. “Dizem que a poesia é uma arte da juventude. Eu nunca produzi tanto na minha vida como hoje, escrevo mais do que antes”, aponta o poeta. As novas obras prontas, mesmo as infantis, têm pelo menos 150 páginas antes da diagramação em livro, mostrando que a sua veia épica continua de fôlego.
INCANSÁVEL
O número espantoso de dez livros prontos (além de uma reedição sendo preparada, a de Cancioneiro) não é por acaso. Accioly lembra a teoria do poeta mexicano Alfonso Reyes de que um livro não publicado nunca termina, está condenado a ser retrabalhado a vida toda. “Para não corrigir um livro a vida toda, eu passei a fazer outros”, explica o poeta. Começar novas histórias é a forma de se distrair e fugir da tentação de nunca largar as já feitas. Sem exageros, diz que a poesia é uma obsessão na sua vida.
“Gosto do termo, eu sou obsessivo mesmo. Sou tarado por escrever, de certa forma. É uma compulsão. Eu imagino o livro como um todo, ele surge em mim assim. Então, eu vou preenchendo o livro. Às vezes eu termino um e noto que falta uma palavra, por exemplo, ‘árvore’. Nesse caso, eu sou até capaz de reescrever um capítulo inteiro para a palavra entrar no meio e para que ela soe natural”, confessa.
ABL
Se foi o seu caráter relativamente tímido, introspectivo, que o fez se voltar para a poesia, foram os próprios versos que o fizeram revelar-se para o mundo. ”Tudo o que eu consegui até hoje na vida tudo foi pela poesia. Eu fui secretário-executivo do Ministério da Cultura de Antonio Houaiss por meio dela. Trabalhei com Sérgio Paulo Rouanet, também por conta dela. Diversos amigos eu criei por meio da poesia”, expõe.
É justamente o contato mais frequente com muitos dos amigos que criou que o motiva a se candidatar pela segunda vez à ABL. “Nessa data redonda do 7 e do 0, achei que era o momento para concorrer à cadeira”, explica. Accioly quer poder conviver com os escritores e pensadores que, como ele, veem a literatura como o motivo de sua vida. “Seria um prazer”, revela. Segundo ele, ser um imortal da instituição é “o sonho de todo escritor brasileiro, mesmo dos que negam isso”.
Mas carrega consigo uma experiência da época em que era nadador no Náutico, campeão de categorias juvenis. Ao contrário do esporte, na literatura não há a competição de olhar para o tempo que os adversários nas outras raias estão fazendo: importa apenas melhorar para si mesmo, diminuir seu próprio tempo. “A competição com a gente mesmo é mais solitária e ainda mais cruel, porque nunca há um vitorioso e nem um fim”, conclui.
Leia mais no Jornal do Commercio desta segunda (21/1)