FLIP

O silêncio e a alteridade de Eduardo Coutinho

Responsável por alguns dos melhores momentos da festa de Paraty, com sua simpatia ranzinza

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 08/07/2013 às 5:28
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Um paradoxo: uma entrevista que começa com um "eu nunca tenho nada a dizer" termina sendo uma das mais interessantes da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). É fácil compreender o mistério quando o personagem é o cineasta Eduardo Coutinho, convidado de destaque no evento para celebrar seus 80 anos. 

As ironias parecem muitas: Coutinho é avesso a homenagens e ainda disse, na coletiva de um festival literário, que não escreve nada faz mais de 20 anos. O seu texto O olhar no documentário, escrito em 1992 por encomenda de uma mostra de cinema estrangeira, está presente em O olhar no documentário: Eduardo Coutinho, com textos críticos de Ferreira Gullar, João Moreira Salles e Eduardo Escorel, publicado pela Cosac Naify na Flip. 

Pouco vale, no entanto, investigar esses polos: como o documentarista diz, o que lhe interessa não é o que é preto ou branco, mas o que é "preto e branco e outras coisas ainda". "Acredito no cinema que se passa sempre no espaço que existe entre duas pessoas", atestou. "E eu sempre escolho filmar o outro, o que eu não sou". 

Na conversa com a imprensa, Coutinho ainda passou pela sua breve experiência como crítico de cinema pelo cinema nacional, pelos protestos ("tudo sempre é bom e ruim, ninguém sabe no que vai dar") e até pelo reconhecimento da necessidade de se olhar para a cultura de massa.  

Na mesa, na tarde do sábado (6/7), Coutinho encantou também o público com seu humor ranzinza, sincero e simpático na crueldade até consigo mesmo “Sou só o melhor cineasta de mim mesmo”, disparou.

Durante a conversa com Eduardo Escorel, o trecho final do filme Peões, sobre operários que trabalharam com Lula no ABC paulista, foi exibido. Na cena, o entrevistado conta do sofrimento e da saudade dos tempos de peão e mergulha em um longo silêncio – 26 segundos, como contou Coutinho – para perguntar ao diretor, repentinamente: “E você, já foi peão?”. A pergunta recebe um rápido “não”, mas é impressionante como desarma o diretor e o público ao mesmo tempo. Como saber a dor e a saudade de ser peão sem nunca ter sido?

A pergunta vale ser feita aos leitores: e vocês, já foram Coutinho? Vale a pena tentar ser um pouco mergulhando na obra do documentarista.

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