Há 25 anos, o escritor pernambucano Raimundo Carrero começou um projeto incomum, ao menos para a época: reuniu um grupo de jovens interessados na criação ficcional para discutir seus textos, buscando aperfeiçoá-los com outras técnicas de escrita. Nascia, então, na então atuante Livraria Síntese, na Boa Vista, a sua famosa oficina literária, em um formato que se tornaria cada vez mais popular ao longo dos anos. Olhados por muito tempo com desconfiança pelas universidades brasileiras, os cursos de criação textual começaram a ultrapassar recentemente as fronteiras acadêmicas – já existem hoje, por exemplo, graduações e pós-graduações dedicadas exclusivamente à escrita.
Cursos como a formação em Produção Textual, pela PUC-Rio, ou a pós-graduação em Formação de Escritores do ISE Vera Cruz, em São Paulo, são uma realidade para quem quiser se dedicar ao ofício da escrita. Apesar disso, ainda não chegaram aos Departamentos de Letras da maioria das universidades públicas, e em alguns nem mesmo como parte do curso. A UFPE, por exemplo, tem prevista na sua ementa uma cadeira de Criação Literária, mas sem incluir produção de textos.
Na sua primeira oficina, Carrero trabalhou os textos iniciais de autores como os primos Marcelino Freire e Wilson Freire. Desde então, tornou-se um dos pioneiros entre os professores de escrita literária, ao lado do gaúcho Luiz Antonio Assis Brasil. “Existe um público interessado em conhecer a escrita. Acho que a procura de alunos mostra que os aspectos formais da literatura são um grande atrativo”, comenta o escritor pernambucano.
Para ele, um dos motivos da resistência das academias ao ensino e trabalho das técnicas de escrita é o pouco apreço pelos estudos sobre o “artesanato literário”. “As faculdades de Letras olham as obras mais pelo seu conteúdo do que pela sua forma. A essência da literatura é como ela se faz, como uma frase é construída. Não dá para separar isso da sua natureza”, defende o autor. Carrero ainda opina que as universidades brasileiras estão mais interessadas em formar escritores. “A academia poderia se beneficiar de ensinar as técnicas literárias, mas ele não querem”, afirma.
O poeta e tradutor Paulo Henriques Britto, coordenador do curso de Produção Textual da PUC-Rio, aponta que a resistência dos Departamentos de Letras diminuiu se comparada com o momento em que o curso foi inaugurado, há dez anos. As origens do descompasso, no entanto, são difíceis de definir para o autor, ainda mais se comparadas com a situação dos Estados Unidos.
“Na América do Norte e mesmo na Europa, esses cursos já existem há um bom tempo. Uma resposta possível seria o fato de que se lê muito pouco no Brasil, em comparação com esses outros países e, portanto, o mercado para escritores é bem menor”, sugere.
Também escritor e professor, o paulista Roberto Taddei concorda que é difícil definir as origens dessa distância. Autor do recém-lançado Terminália (Prumo), fruto do seu mestrado em Criação Literária, na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, ele comanda a pós-graduação de Formação de Escritores da ISE Vera Cruz.
“Há uma relação histórica entre produção e análise literária, que mostra o descompasso entre academia e produção, que não existe em outras áreas. Aqui na USP, os departamentos que trabalham com criação artística são os de música, teatro e artes plásticas, que estão ligados a centros de comunicação e artes”, comenta.
Ele ainda ressalta que, mesmo na maioria dos mais de mil cursos de escrita criativa dos Estados Unidos, não há vinculação a departamentos de Letras. “A ideia, lá, é que os cursos trabalham com o texto já produzido, não estão interessados em produzir ou fazer que o aluno crie um texto. Isso foi se consolidando, e não sei como isso poderia ter um percurso diferente no Brasil”, expõe.
O professor do departamento de Letras da UFPE Lourival Holanda defende que o receio de incentivar a produção de textos dentro dos cursos é uma herança da separação rígida entre as várias áreas de conhecimentos. “A academia teme, com a criação, perder o controle, longa assombração do positivismo ainda”, explica.
Leia a matéria completa no Jornal do Commercio deste domingo (16/3)