Günter Grass, Prêmio Nobel de Literatura em 1999 que faleceu nesta segunda-feira aos 87 anos, encarnou a consciência moral da esquerda da Alemanha do pós-guerra, situação que foi abalada, no entanto, quando revelou que havia integrado uma unidade de elite de Hitler.
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O escritor, fumante de cachimbo e de bigode espesso, foi filiado durante muito tempo ao Partido Social-Democrata (SPD) e marcou a cena literária e intelectual da República Federal da Alemanha (RFA, Alemanha Ocidental).
O autor de "O Tambor" (1959) se expressava com uma linguagem exuberante e precisa, com a criação em suas fábulas de uma "alegria com tintas negras", segundo a Academia Sueca, com uma obra humanista, crítica das ideologias e preocupada com a consciência do cidadão comum.
Depois da guerra, "meu temperamento jovial ganhou um ceticismo insuperável. Este resultou em uma resistência, geralmente em um gosto pelo ataque, contra qualquer ideologia que pretenda fixar medidas absolutas", explicou o poeta e dramaturgo, vencedor em 1999 no Nobel de Literatura e do Prêmio Príncipe das Astúrias.
- O anticomunismo o levou às SS -
Sua reputação foi abalada em 2006 pela confissão tardia, na autobiografia "Nas Peles da Cebola", sobre a adesão em 1944 às Waffen-SS. Muitos questionaram o motivo do longo silêncio de um alemão sábio e arrependido, que denunciou tão duramente as renúncias ideológicas de sua geração, atraindo o ódio dos demais.
Seu alistamento aos 17 anos, afirmou, foi o de um jovem procedente de um ambiente modesto que havia passado pela Juventude Hitlerista e que queria lutar contra o comunismo.
Grass desejava entrar nos submarinos e, sem recrutamento, acabou por integrar por pouco tempo uma unidade, onde constatou a debandada provocada pela guerra. Quando estava detido tomou conhecimento do Holocausto.
O escritor nasceu em 1927 em Dantzig, que depois se tornou Gdansk, na atual Polônia, a cidade do famoso "corredor" onde aconteceu a invasão do país em 1939 pelos nazistas. Grass era filho de uma mãe de origem da minoria eslava da Prússia e de um humilde comerciante alemão.
Após a queda do regime de Hitler, testemunhou o declínio da Alemanha e depois o milagre da reconstrução em uma República Federal anticomunista e materialista. Depois de estudar para ser escultor, morou em Paris nos anos 1950 e decidiu iniciar a carreira de escritor. Grass se comprometeu com a causa dos escritores antifascistas do "Grupo 47" e do social-democrata Willy Brandt.
- Vítimas, perdedores e mentiras -
Na Alemanha próspera dos anos 1960, marcada pelos protestos estudantis e pelo "terrorismo vermelho", Günter Grass se considerava um ativista político, mas em um sentido reformista.
Defendeu a objeção de consciência contra os euromísseis na Alemanha e, em janeiro de 1993, abandonou de forma abrupta o Partido Social-Democrata (SPD), do qual era filiado desde 1982 e que criticou por ter adotado posições muito conservadoras em sua opinião. Isto não o impediu de apoiar em 1998 o chanceler do SPD Gerhard Schröder.
Quando publicou em 1995 "Um Campo Vasto", no qual critica a reunificação alemã, o jornal sensacionalista Bild afirmou que "Grass não ama seu país". Sem as intervenções incômodas de Grass, a Alemanha seria diferente, mesmo que "às vezes ele nos irritasse", afirmou uma vez um famoso crítico alemão. "Venho de um país onde queimamos livros", justificou Grass.
Quando anunciou o Nobel, a Academia de Estocolmo considerou que a obra de Grass realizou "uma ampla revisão da História recordando o que havia sido negado e esquecido: as vítimas, os perdedores e as mentiras que as pessoas querem esquecer porque acreditaram nelas um dia".
Em "Passo de Caranguejo" (2002) ele citou o tabu dos sofrimentos dos refugiados alemães capturados pelo exército vermelho nos territórios do leste.