CRÍTICA

Em seus contos, Ricardo Lísias expõe personagens fora de controle

Concentração e outros contos é mais uma amostra da técnica e da força da prosa do autor paulista

Do JC Online
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Publicado em 19/04/2015 às 5:51
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Uma das formas de reagir ao caos do mundo é ser obsessivo – criar conexões entre coincidências, repetir gestos até eles fazerem sentido, distrair-se com regras arbitrárias. No livro Concentração e outros contos (Alfaguara), do escritor Ricardo Lísias, as pessoas estão sempre no limite da sanidade, tentando (em vão) revelar algum sentido no que as cerca.

Os contos são histórias dolorosas e febris, dentro do universo angustiante já consagrado por Lísias. Merecidamente reconhecido como um dos maiores nomes da prosa brasileira hoje, o autor de Divórcio, O livro dos mandarins e O céu dos suicidas mostra aqui sua faceta de narrador breve e, por isso, cortante. Os textos, em maioria publicados em revistas e plaquetes nos últimos 15 anos, ajudam a ver o escritor paulista como um autor maduro e visceral que, como poucos, usa a técnica e a linguagem para falar da perda de controle.

Lísias constrói seus contos cheios de ironia – mirando o jornalismo, os medos da classe média, a própria literatura – sem deixá-los frios, amorfos como um pastiche sem fundamento. O livro começa com o conto Evo Morales, um dos que mistura mais claramente política e ficção, ao falar de um enxadrista que conhece o futuro presidente da Bolívia em um aeroporto, e passa a associar suas aparições como bons presságios.

O panorama latino-americano aparece em outras narrativas do volume, com os excelentes Anna O. e Concentração. Dos nervos, sobre um duelo de enxadristas e uma mulher que vê sua casa ser invadida, à noite, por um homem, mostra a repetição (e a supressão, beirando a perda de sentido) como uma técnica primorosa do autor. A perda de sentido diante do mundo, do medo e da dor é a única coisa que a arte pode tentar expressar, Lísias parece dizer.

A série de textos que compõe Fisiologias usa elementos aparentemente biográficos do autor para construir narrativas que soam altamente íntimas. A derrota da arte está lá, como “um fracasso que se manifesta no corpo” – os sentimentos, por sinal, sempre viram sintomas corporais ao longo do livro. No final, é possível pensar que, talvez, as figuras dos contos de Lísias estejam doentes porque o mundo é mais enfermo que elas. A única saída, então, deve ser a de expurgar os demônios através da arte – criando ou consumindo esses testemunhos do desespero como se fossem um paliativo possível.

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