ENTREVISTA

Ricardo Lísias fala sobre seu novo livro de contos

'Concentração e outros contos', lançado pela Alfaguara, faz uma síntese da obra de um dos autores brasileiros contemporâneos mais revelantes

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 19/04/2015 às 5:51
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O escritor Ricardo Lísias está lançado o livro Diário da Catástrofe Brasileira neste mês de julho - FOTO: Divulgação
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A obra de Ricardo Lísias é uma das mais perturbadoras e fortes da prosa brasileira atual. Elogiado por romances como Divórcio e O céu dos suicidas<, o escritor paulista reuniu agora outros textos em Concentração e outros contos. Nesta entrevista, ele fala sobre sua linguagem e o papel da sua literatura.

JORNAL DO COMMERCIO – Concentração e outros contos parece complementar temas e processos desenvolvidos em outros livros seus. João Cezar Castro Rocha comenta na orelha do livro que você parece estar sempre reescrevendo o mesmo texto. O que há de comum a esses textos, sempre “reescritos” de forma tão singular?
RICARDO LÍSIAS –
Acho que a variação estilística dos textos é realizada segundo a necessidade de cada um dos temas. Não são muitos temas, então o universo fica também mais restrito e, na minha opinião (e intenção), mais concentrado. Até o título entra nesse recurso. Mas há algo a destacar aqui, que você percebeu na sua pergunta: a frase de João Cezar de Castro Rocha é na verdade uma análise mais aguda do processo criativo, pois ele incorporou uma fala que não era dele, mas sim da série de contos Delegado Tobias, em que ele apareceu como personagem. Castro Rocha percebe muito bem que a literatura tem um aspecto de jogo, resolveu entrar no jogo e refez a citação que agora é atribuída a ele, o que embaralha as cartas e pode no futuro fazer com que a frase de Delegado Tobias, recolocada na orelha do livro, torne-se realmente dele...
 
JC – Nos contos, os personagens estão oscilando entre dois estados: estão completamente dopados ou completamente obsessivos. Esse é um retrato do nosso mundo hoje? Há uma afirmação política em constatar isso?
LÍSIAS –
Concordo. Acho que as personagens oscilam entre essas duas condições, permanecendo nesse arco com algumas variações. Acho que essa pode ser uma boa metonímia para o nosso mundo, com a ressalva de que na minha opinião existem novas patologias, ainda pouco observadas. Sem dúvida a utilização desse recurso é um ato estético e, ao mesmo tempo, político.

JC – Em Tólia, o narrador do conto fala que a literatura e o xadrez funcionaram para ele como um “instrumento de autoanálise”. De alguma forma, a sua escrita tem essa pulsão? É possível expurgar algo na ficção?
LÍSIAS –
Pode ser que sim, mas desde que seja observado um detalhe: o que está sendo analisado também é ficcional. Se formos cuidadosos com esse detalhe e passarmos por todos os espaços admitindo que são todos fictícios, pode-se expurgar muita coisa, mas será também um expurgo ficcional.
 
JC – Alguns dos seus contos que circularam em plaquetes e revistas se tornaram, depois, o argumento de romances, especialmente no caso de Divórcio. Como uma narrativa breve se impõe como um texto mais longo? Que sensação o leva a continuar trabalhando em um tema, ampliando-o?
LÍSIAS –
Eu acho que a sensação de não ter conseguido tirar tudo de uma questão estética faz com que os gêneros variem. Aliás, é por isso que continuo escrevendo todos os dias: atrás dessa satisfação que parece tão distante e fugaz e que é ao mesmo tempo tão desejada. Apenas um detalhe: não apenas com Divórcio há contos e um romance, acho que com O céu dos suicidas, inclusive, essa variação foi ainda maior.
 
JC – Você coloca seu nome e alguns traços seus em suas histórias – tanto que elas foram confundidas como parcialmente reais e, novamente, o caso mais extremo é Divórcio. Essa confusão o assusta, de alguma forma? Ao mesmo tempo, é algo sedutor brincar com essa confusão?
LÍSIAS –
No início da publicação do romance Divórcio tudo foi bastante difícil para mim, inclusive o repentino sucesso comercial do livro. Mas hoje eu apenas observo, na maioria das vezes indiferente, e em algumas espantado, como se pode ler de forma tão enviesada. Ou melhor, cada um se revela na maneira também como lê. Divórcio revelou muita gente e parece que continuará revelando!
 
JC – O conto Autoficção também traz uma espécie de “vingança” literária contra o jornalismo, tanto a partir da linguagem quanto a partir dos seus procedimentos. Esses defeitos do jornalismo o atingiram, em algum momento? Há uma provocação para que a mídia reflita sobre como atua?
LÍSIAS –
Como eu disse, nas semanas seguintes à publicação de Divórcio, muita coisa me assustou, inclusive a reação histérica de alguns setores do jornalismo, e também a leitura de má-fé de alguns membros desse mesmo grupo. No entanto, aos poucos tudo foi sendo colocado no seu devido lugar. Hoje, posso dizer que é um pequeno grupo de “desavisados” no meio da imprensa que continua dizendo que meu livro é x ou y, e que eu sou A ou B. Com a grande parte da imprensa, por outro lado, tenho uma relação bastante saudável. Por fim, vale enfatizar que recebi uma quantidade imensa de e-mails e mensagens de jornalistas dizendo que tinham adorado o meu livro.
 
JC – Algo que me impressiona muito em Concentração e outros contos é a capacidade dos textos de formularem na linguagem o que vivem os personagens. Esse trabalho na forma e na linguagem é mais importante para você que os temas dos contos?
LÍSIAS –
Na verdade é isso que cria os temas. Fico feliz que essa questão esteja agora aparecendo bastante.

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