Se Monteiro Lobato usou vários dos contos tradicionais do universo caipira brasileiro como argamassa para boa parte de sua literatura, o folclorista Luís da Câmara Cascudo se preocupou em compilar, o mais fielmente possível, várias das histórias correntes no imaginário brasileiro. É grande nossa dívida com a literatura anônima e mais espontânea não só no Brasil como no Ocidente. No final do século 18, as noções de cultura popular e identidade nacional começaram a ganhar corpo quando escritores como os Irmãos Grimm empreenderam a compilação dos relatos orais preservados pelas comunidades regionais na Alemanha. Agora, no Recife, a diretora e atriz Márcia Cruz se debruça num projeto para preservar e ampliar o alcance dessas histórias, várias delas populares e outras tornadas clássicas por alguns autores.
Hoje à tarde (15h), o Museu Cais do Sertão recebe o lançamento do projeto Palavras no Ar, idealizado e dirigido por Márcia Cruz com a partipção de vários atores registrando histórias infantis (com todo o potencial para agradar também a audiência adulta). No lançamento, hoje, haverá audição e também dramatização de algumas histórias e exposição das fotos do making off das histórias que poderão ser ouvidas pela Internet e em rádios locais.
“O Palavras NO AR é um projeto que eu acalentava no peito há muito tempo, é coisa antiga. Ele surgiu das minhas memórias. Ainda criança, me lembro de estar rodeada de contadores de ‘causos’, sobretudo do meu pai e o padrinho da minha irmã. Eles não eram contadores de histórias como se vê hoje, mas sim de causos e eu cresci ouvindo divertidas histórias de trancoso e acabei por adorá-las”, diz a atriz, que conseguiu viabilizar o projeto através do Funcultura. Versões compactadas de algumas dessas histórias estão na página oficial do projeto (www.facebook.com.br/palavrasnoar). “Em dezembro, as 54 estórias gravadas começarão a ser veiculadas nas principais rádios comunitárias do Recife, e na próxima semana, o site oficial estará no ar”, diz ela.
A pressa e a noção de tempo dos dias correntes são motivadores da diretora. “Com a pressa urbana e as novas mídias, muito de hábito de contar, e portanto preservar histórias, se perde”, diz ela, fã do rádio desde criança. “O rádio, por sua vez, sempre esteve presente em minha vida, fortemente. Ainda pequena, vez por outra, ia com a família visitar os avós em Teresina. Meu avô era um homem alto, calmo, que adorava os netos e acho que por isso tinha uma paciência de Jó com o alvoroço que fazíamos na sua casa. Porém, chegada a hora do jornal, ele mudava o tom. De repente, a serenidade dava espaço para firmeza e ele exigia silêncio diante do rádio”.
Já adulta, ela fez uma especialização na Suíça. “Em Genebra, onde morei, havia um programa de rádio, jornalístico, direcionado para crianças. Elas entravam ao vivo e o radialista conduzia tudo maravilhosamente bem - e olha que não é fácil fazer ao vivo com os pequenos. Quem mais ouvia o programa era eu. Decidi que quando voltasse ao Brasil, faria um projeto de rádio direcionado aos pequenos. Assim, dessa mistura de memórias e afetos, nasceu o Palavras NO AR.
Para escolher as histórias, o elenco realizou várias leituras. “Quando vimos que já tínhamos um acervo bom para quebrar a cabeça, começamos a elaborar os critérios para seleção”, lembra Márcia que tem, entre outros atores, membros da Trupe Ensaia Aqui e Acolá (Andréa Rosa, Iara Campos e Juliana Montenegro); da Companhia Fiandeiros de Teatro (Daniela Travassos, André Filho, Manuel Carlos e Roseane Tachlitsky) e Cia Meias Palavras (Luciano Pontes e Ana Medeiros). Entre os autores elencados, estão Neil Phillipp, Luiz Câmara Cascudo, Regina Machado, Walcyr Carrasco, Ana Maria Machado, Jean Claude Carrièrre e Illan Brenman.