Enquanto foi arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Camara teve a pequena casa onde optou viver metralhada e pichada, viu seus assessores serem perseguidos pelo aparato da ditadura militar, recebeu ligações com ameaças, foi grampeado e até enfrentou a morte de um dos seus amigos, o padre Henrique, pelo regime. Além disso, mal podia emitir suas opiniões na imprensa, já que censores ficavam nas redações para eliminar matérias e comentários indesejados. Só conseguia se pronunciar por um meio: pelas crônicas que fazia de segunda a sábado na Rádio Olinda.
Religião, conselhos pessoais, parábolas, citações de músicas e obras literárias, crítica de problemas das cidades e, claro, questionamentos ao regime faziam parte dos temas. Os mais de 2,5 mil textos, reunidos no Instituto Dom Helder Câmara, foram a matéria-prima para o volume Meus Queridos Amigos (Cepe Editora), organizado por Tereza Rozowykwiat. O lançamento é domingo (10/4), a partir das 9h30, na Igreja das Fronteiras, na Boa Vista.
O livro reúne 200 crônicas do arcebispo nas suas quase 500 páginas. Ali, elas estão divididas em seis partes: Injustiças Sociais, Política, Religião, Atitude, Sentimento e Ele Era Assim, com relatos variados.
Os textos mostram uma fase específica da vida pública do arcebispo. Sem espaço para falar no Brasil, Dom Helder já havia começado sua intensa campanha no exterior pelo fim da repressão política por aqui – seu ativismo o levaria a ser indicado para o Prêmio Nobel da Paz, que não ganhou graças ao esforço do governo militar.
O espaço na Rádio Olinda era uma das poucas oportunidades para se pronunciar publicamente. O arcebispo, no entanto, tolhia por vezes o tom e o tema do que era dito. “O programa já foi uma pequena abertura para Dom Helder, mas ele tinha consciência que não podia falar o que quisesse. Ele sofreu ameaças de fecharem a rádio antes. Apesar de às vezes ser duro nos temas políticos, ele também falava de temas leves”, comenta Tereza. Ele não deixava de citar os presos políticos, mas também comentava canções de Chico Buarque e Clara Nunes e o livro O Pequeno Príncipe.
As crônicas eram uma parte da “não violência ativa” praticada por Dom Helder: a rejeição da violência como método aliada à certeza de que a passividade tampouco era uma saída. O enfrentamento, para ele, se dava por meio de estratégias – o constrangimento e a denúncia pública eram algumas delas. Em Meus Queridos Amigos, apesar dos textos simples, feitos para curtos trechos de rádio, é possível ver o exercício desse não conformismo criterioso: vemos ali um Dom Helder que, combativo, sabe quando e como pode fazer críticas duras. Tentar transformar, afinal, era uma das grandes tarefas cristãs para ele.