A noite adquiriu ares de lenda, mas talvez isso seja até melhor: escritores de literatura fantástica e de obras de horror prefeririam esse limiar entre o acontecido e o imaginado. No verão chuvoso de 1816, o casal Mary e Percy Shelley visitou a cada de Lorde Byron na Suíça. Lá, o poeta romântico fez uma proposta: inspirados pela leituras de contos germânicos, todos os presentes deveriam escrever uma história de fantasmas. Mary Shelley teve dificuldades e, nos dias em que se seguiram, ficou angustiada com o desafio.
Por conta desse encontro, Shelley viria a criar um dos clássicos do horror, Frankenstein. Inspirados por essa noite famosa, um grupo de autores pernambucanos topou repetir o desafio literário. Convidados por André Balaio e Roberto Beltrão, organizadores do Festival d'O Recife Assombrado, João Paulo Parísio, Maria Alice Amorim, Meca Moreno, André de Sena, Frederico de Oliveira Toscano e Rômulo César de Melo aceitaram se trancar na Casa Museu Gilberto Freyre para pensarem em criar um texto de horror.
O resultado dessa noite será mostrado hoje e amanhã, nos dias finais do Festival d’O Recife Assombrado, que acontece no Sesc Santo Amaro, a partir das 17h. Hoje, Meca, Frederico, Rômulo César e Roberto veem a leitura dramatizada dos seus contos e conversam sobre a experiência – o dia ainda conta um mini documentário de Adriano Portela, que gravou o encontro, uma conversa com o potiguar Márcio Benjamin e o relançamento da HQ A Rasteira da Perna Cabeluda.
“Ficou muito interessante. Maria Alice, por exemplo, fez um poema com uma pegada simbolista, enquanto João Paulo Parísio deu um toque até escatológico para a sua história”, conta Roberto. “O festival e o encontro são uma tentativa de aproximar o público, familiarizá-los com a literatura fantástica, fazê-los se interessar por ela como uma literatura honesta, com força e criação, indo além do comercial, do gênero e da infantilização.”
Na noite, os escritores fizeram um passeio pela Casa Museu e depois ficaram até o raiar do dia na sala do jantar do espaço, conversando e criando. “Houve momentos de discussão, de troca de ideias, e momentos de escrita. A noite passou rapidamente: quando vimos, já era manhã. Achei muito enriquecedor”, comenta o organizador. Claro que, na noite, a maioria só conseguiu formatar a ideia do texto – a redação final, em média, foi concluída 15 dias depois. “Quem sabe a gente não faz outra edição no ano que vem?”, cogita Roberto.
RETRATOS FALADOS
No domingo, o organizador lança sua mais nova obra, o álbum ilustrado Sete Assombrações em Retratos Falados, feito em parceria com o ilustrador Fábio Rafael. “Gilberto Freyre já disse que, antigamente, as assombrações eram caso de polícia no Recife. Os fantasmas pintavam o sete naquela época, quebravam coisas, e em um dos contos, a polícia é chamada e sai correndo da assombração. Então, inspirado nisso, Fábio ilustrou as aparições famosas do Recife e eu fiz um inquérito policial a partir dos desenhos”, explica Roberto.
A ideia foi essa: trazer os “retratos falados” junto com a tentativa policial de entendê-los a partir de testemunhos. São, ao todo, pouco mais de 30 páginas, em formato de álbum. “Acredito que é uma introdução para o universo assombrado”, define o autor. Além disso, como o restante do evento, é um convite para conhecer melhor o rosto e o corpo dos fantasmas e monstros recifenses. Afinal, eles ainda podem estar por aí à espreita.