Um grupo de especialistas internacionais concluiu, nessa sexta-feira (20), que o prêmio Nobel de Literatura chileno Pablo Neruda não morreu de câncer, como consta em sua certidão de óbito, embora não seja possível confirmar que ele foi assassinado após o golpe militar de 1973.
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Após cinco dias de análises da documentação médica e científica reunida sobre a morte do poeta comunista, o painel de especialistas convocado pela justiça chilena excluiu com unanimidade a existência de "caquexia cancerosa" como consequência do câncer de próstata que o poeta sofria.
Isso teria causado a morte de Neruda, em uma clínica da capital chilena, em 23 de setembro de 1973, doze dias depois do golpe militar, segundo a versão oficial da época.
"É rotundamente e 100% certo que a certidão (de óbito) não reflete a realidade do falecimento", afirmou o médico Aurelio Luna Maldonado, da Universidade de Murcia, em coletiva de imprensa em nome dos especialistas convocados para determinar se Neruda foi morto por agentes da ditadura de Augusto Pinochet.
Os especialistas não conseguiram, porém, determinar as reais causas de sua morte.
Luna acrescentou que durante o trabalho dos peritos, foi descoberta uma nova bactéria alheia ao câncer que ele sofria, e que esta está sendo estudada em laboratórios do Canadá e da Dinamarca, o que fornecerá mais esclarecimentos sobre as causas da morte.
Neruda morreu aos 69 anos. Sua saúde se deteriorou quando ele estava prestes a deixar o país, após o golpe, para se exilar no México, onde seria um articulador importante da resistência à ditadura de Pinochet.
O simpósio com especialistas do Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Espanha e Chile busca confirmar ou excluir a hipótese de que existiu uma intoxicação voluntária e deliberada para matar o autor mediante a administração de germes ou toxinas bacterianas, explicaram os peritos na segunda-feira na abertura do painel.
"Sem dúvida vamos ter mais clareza sobre a sua morte, vai mudar a história em relação à morte de Neruda", afirmou Rodolfo Reyes, advogado e sobrinho do poeta.
Deterioração de provas
Apesar das dúvidas geradas por sua morte repentina, foi necessário esperar quatro décadas para que a versão do assassinato ganhasse força. Isso aconteceu em 2011, com a publicação de declarações do motorista e assistente pessoal de Neruda, Manuel Araya, que afirmou que o poeta piorou depois que lhe aplicaram uma injeção no abdome.
Sobre esta injeção, "há documentação de testemunhos e declarações, mas não há documentação clínica nem dados exatos que nos permitam confirmar ou descartar a existência da infecção", afirmou Luna nesta sexta.
Outras declarações alimentaram a versão do assassinato. Pessoas próximas ao poeta afirmaram que o opositor chileno estava bem antes de receber a suposta injeção no hospital em Santiago.
Outro detalhe é que a clínica Santa María, onde Neruda faleceu, carrega outra morte duvidosa, a do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, que teria sido envenenado por agentes da ditadura em 1982.
O juiz encarregado do caso, Mario Carroza, ordenou em abril de 2013 uma nova exumação do corpo do escritor, para elucidar se a mão mortal do regime de Pinochet, que provocou mais de 3.200 mortes, eliminou também a vida do escritor.
O desafio dos cientistas é utilizar os avanços da ciência para encontrar respostas, mas com a passagem do tempo a tarefa pode se transformar em uma missão impossível.
"É preciso ser muito prudentes e pensar que estamos analisando amostras degradadas com uma antiguidade significativa, e que isso sempre vai significar uma limitação às possíveis conclusões obtidas", advertiu Luna à AFP durante a abertura do painel.
O especialista considera que há entre 20% e 25% de chance de resolver o mistério e poder afirmar, com base científica, se o prêmio Nobel de Literatura de 1971 foi assassinado.
As primeiras perícias, em novembro de 2013, concluíram que, devido à passagem dos anos, não era possível estabelecer a presença de algum veneno. Mas o juiz prosseguiu com o caso e ampliou as perícias, que após uma nova exumação encontraram um estafilococo dourado (Staphylococcus aureus) nos restos, uma bactéria altamente infecciosa e letal.
Esta descoberta continua sendo central na investigação, mas ainda não há provas contundentes de que a bactéria tenha sido a causa da morte do escritor.