Quando recebeu a notícia de que havia vencido a maior categoria do Prêmio Pernambuco de Literatura, Ezter Liu estava em sua casa, em Carpina, assistindo à transmissão ao vivo do anúncio dos ganhadores através das redes sociais. A alegria foi imensa, ainda mais para quem quase não enviou o manuscrito ao júri. "Fiquei na dúvida na época entre publicar de maneira independente, como fiz com meu livro de poesias, ou tentar o prêmio" relembra a autora. "Decidi tentar e mandar de maneira desencanada e agora estou muito feliz."
Os vencedores da quinta edição do concurso literário - que agora passa a se chamar Prêmio Hermilo Borba Filho - foram anunciado na noite da última terça-feira (17), em cerimônia no Palácio do Campo das Princesas e o pronunciamento do nome de Ezter não significou apenas uma emoção para ela e sua família, como também marcou a história do prêmio. Pela primeira vez em seis anos uma mulher venceu a categoria principal.
Ezter Liu nasceu no Recife mas se mudou com a família ainda criança para o município da Zona da Mata Norte. Fez de Carpina sua morada e nem pensa em voltar a se estabelecer na capital pernambucana. Aos 41 anos, ela divide seus dias entre a profissão de policial civil (que exerce há 17 anos) o cuidado com a casa, seu filho e sua filha, o casamento e, claro, a escrita. É no final do dia, de noite, que ela prefere sentar na frente do computador e deixar flui as ideias. "Não vivo de literatura mas também não vivo sem ela. Eu tento escrever toda noite e às vezes não sai nada, outras sai um parágrafo e às vezes um conto inteiro."
Foi justamente com um livro de contos, intitulado Das Tripas Coração, que Ezter venceu o Grande Prêmio. O livro havia de certa forma sido iniciado há cerca de cinco anos, mas até o ano passado era apenas um documento no Word com três textos . A prática literária levou a autora a se dedicar à poesia nesse meio tempo, publicando inclusive o volume Vermelho Alcalino, quando em 2016 ela resolveu voltar àquela ideia inicial dos contos.
Narrativa feminina
A linha temática que costura os 19 textos que integram Das Tripas Coração é feminina e feminista. "Todas as narrativas tem protagonistas mulheres, nessa linha de inquietações e angústias do universo feminino", explica Ezter. Além de possuir uma unidade temática, os contos do livro também estão interligados por uma escolha estética da escritora de não fazer uso de vírgulas e sair de sua zona de conforto em termos de pontuação. "Agora eu estou até tentando me desvencilhar disso", conta. "Foi a primeira vez que tentei essa estética e gostei."
À exceção de um dos contos - que já estava pronto antes de Ezter retomar o projeto -, todos os outros são narrados em terceira pessoa. O narrador ou a narradora? Não é perceptível segundo a autora, "a não ser que eu dê muita bandeira", complementa brincando. Sobre a inspiração para criar as personagens e os enredos, Ezter Liu diz que veio de fatos, coisas que ela atravessou e que a atravessaram ao longo da vida. Não há totalmente autobiográfico, mas também não são temas impessoais.
"A gente sempre se pergunta de onde tira as histórias. Eu venho pensando há muito tempo sobre as questões femininas. Não sou uma estudiosa assídua do feminismo, mas sou praticante, me considero uma feminista mão na massa", ressalta. É portanto a partir da sua vivência, pelo fato de ter crescido com três irmãs que sempre se posicionaram, em relação às suas vontades e seus desejos, e de criar uma filha que a pernambucana dialoga nas questões diárias com seu feminismo.
Colocar a mulher no centro de seus enredos já era algo que Ezter fazia nos seus poemas. Entre abril de 2015 ela mantinha um blog, o Pancanda de Vento, no qual suas poesias eram ilustradas com fotos da irmã, a produtora cultural Mery Lemos.
A escrita está presente na vida de Ezter desde quando era criança. O momento “divisor de águas”, como ela mesma diz, de sua vida literária foi quando ela começou a escrever diários.
“Tenho todos guardados que fiz desde 1994, os escritos de gavetas. Quando adolescente eu era tímida e insegura, não mostrava para ninguém o que escrevia. Só bem depois que fui sair do armário e perceber que escrever era uma forma de me colocar no mundo”, avalia.
Antes de se tornar poetisa e contista e trazer as temáticas femininas para o centro de seus enredos, Ezter Liu foi uma leitora regular de escritoras. Clarice Lispector foi o primeiro amor de sua vida literária, mas a lista das brasileiras que a pernambucana admira também inclui Cecília Meireles e Lygia Fagundes Telles. “Ultimamente eu estava lendo muita literatura latino-americana. Sou uma leitora muito assídua e leio de tudo na verdade.”
Apesar de Das Tripas Coração ainda não previsão de lançamento - a obra, assim como todos os livros dos vencedores da outras categorias do Prêmio Pernambuco de Literatura, vai ser publicada pela Cepe no ano que vem -, a autora já está planejando seu próximo trabalho. E novamente encara um novo desafio: desta vez não mais na proposta estética, mas sim na forma.
Ezter deve se aventurar no romance, gênero que ainda não havia explorado. "Eu tive a ideia da história e do título no sábado da semana passada, quando estava na feira com meu marido. Precisa de bastante fôlego ara escrever um romance, tenho medo de chegar na metade da escrita e talvez enjoar dos personagens, mas quero muito tentar”, finaliza. O ano de 2018 promete então ser também o de Ezter no que diz respeito a lançamentos e novos projetos literários. Quem sai ganhando não é apenas ela, mas também os leitores.