Estaria todo mundo mesmo revendo o que nunca foi visto e comprando os mais vendidos, como cantavam os Engenheiros do Hawaii? Ou estariam as pessoas ressignificando o que há muito era considerado de difícil compreensão, reservado para poucos? Quando a faixa O Papa é Pop foi lançada, em 1990, a escritora Clarice Lispector já havia falecido há mais de dez anos e, por mais que sempre tenha sido muito lida, sua popularidade não se compara com a qual foi alçada nos últimos anos. Hoje, dia 9 de dezembro, completam-se exatos 40 anos da morte da ucrano-brasileira, que deixou o mundo literário na véspera de completar 57 anos, vítima de um câncer de ovário. Se estivesse viva, Clarice completaria amanhã 97 anos.
Alguns meses antes de descobrir que estava doente e ser internada, ela concedeu a Júlio Lerner, repórter da TV Cultura, uma de suas poucas entrevistas televisivas. Manteve-se até o fim a mulher introspectiva de sempre - e foi justamente esse caráter intimista que a fez tão querida e amada pelos seus leitores. Ao longo dessa entrevista (disponível no jconline.com.br/cultura), Clarice fala sobre seu processo de escrita e a recepção do público, entre outros assuntos. Quando questionada se considerava-se uma escritora popular respondeu que não, “me chamam até de hermética, como posso ser popular sendo hermética?”, rebate.
De fato muito se ouve muito falar sobre essa Clarice, fechada, extremamente misteriosa. Mas será que ela era mesmo essa pessoa complexa e incompreensível? Para a sua biógrafa Teresa Cristina Montero Ferreira, a escritora era apenas dona de uma certa timidez e quietude, muito sensível aos acontecimentos da vida, reflexiva. “Já menina ela era mais introspectiva, gostava muito de ler. Me lembro de ter entrevistado uma prima de Clarice que conviveu muito com ela nos anos em que morou no Recife e ela me disse que a imaginação fértil sempre foi um traço forte. Ela dava nome aos ladrilhos e ia inventando histórias a partir disso”, ressalta a autora da biografia Eu Sou uma Pergunta e criadora do passeio O Rio de Clarice.
Adulta e já conhecida no meio literário, Clarice também não era dada a muitas festas, preferia passar seu tempo livre em meio à natureza, seja na praia ou no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foi na Cidade Maravilhosa que a jovem Clarice publicou seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, em 1942, aos 22 anos, e também onde morou boa parte de sua vida. Nascida em Tchetchélnik, na Ucrânia, ela chega ao Brasil com dois anos de idade, acompanhando seus pais e suas duas irmãs mais velhas, Elisa e Tania. A família desembarca primeiro em Maceió, após uma longa viagem ao bordo do navio Cuyabá, e se mudam em 1925, três anos depois, para a capital pernambucana.
A infância de Clarice foi simples: o pai era mascate e a mãe, muito doente. Essa mesma doença foi o motivo - por mais triste que seja - do nascimento da caçula. “Fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe”, escreveu em A Descoberta do Mundo, de 1968.
Existem opiniões divergentes entre os pesquisadores da obra clariciana em relação ao sentimento de culpa que ela teria carregado por toda a vida e o quanto isso influenciou sua introspecção. “Eu acho que a doença da mãe infuenciou muito esse caráter dela. Ela seria a salvação da mãe, que tinha uma doença degenerativa nos nervos, mas essa mãe morre em 1930, quando Clarice tinha cinco anos. Ela carrega essa marca”, explica a escritora pernambucana Fátima Quintas, leitora assídua da enigmática escritora e autora do livro Nervo Exposto em Torno de Clarice Lispector.
Clarice é pop?
É um desafio para qualquer usuário de Facebook ou Instagram não se deparar com frases de caráter reflexivo, escritas em cards de paisagens bucólicas ou pássaros voando, atribuídas à Clarice. A simples busca no Google “Clarice Lispector frases” tem mais de 523 mil resultados e dezenas de páginas consagradas a reunir as aspas mais impactantes da autora. Poderia ser uma bela forma de manter vivo o seu legado se muitas dessas frases fossem, de fato, de sua autoria. Mas a que fatores pode-se atribuir essa intensa popularidade?
“Depois do filme A Hora da Estrela, em 1985, foi perceptível o ‘boom’ no aumento de admiradores de Clarice”, explica a biógrafa Teresa Cristina Montero. “Muitos artistas famosos eram abertamente seus leitores, como Maria Bethânia, que costumava declamar trechos dos livros de Clarice em seus shows. E em relação à essa popularidade nas redes sociais, fico me perguntando se todos esses internautas que compartilham suas frases são de fato seus leitores. Não tem como saber”.
O fato é que as personagens, os monólogos e as conversas dos contos e dos romances da escritora ultrapassam a ficção de suas histórias. Em cada pensamento de um protagonista criado para determinado livro há muita verdade e experiência própria. “Existem cada vez mais novas formas novas de declaração de amor por Clarice Lispector. Seus fãs crescem a cada ano, principalmente entre os jovens, que fazem dela sua autora de cabeceira”.
Inquietante e algumas vezes difícil? Sim, mas a literatura clariciana é, acima de tudo, atemporal, confessional e instigadora. Ela falava sobre o que, no fundo, é comum a todos, questões que movem homens e mulheres, jovens e idosos: a vida, a morte e o tempo. “Ela trabalhava o mistério da existência a todo instante. Para onde vou? Quem sou? Sempre buscando o ‘eu’, caminhando para algum lugar”, reflete Fátima Quintas. “Quando falamos em Clarice Lispector é sempre importante falar da história de vida dela, das mudanças de países depois que se casa com um diplomata. Mas isso que dizem ser melancolia é, na verdade, uma profundidade imensa. Clarice vivia voltada para ela mesma”.
Recife
Clarice Lispector viveu os anos mais importantes de sua infância e início da adolescência no Recife. A estadia na capital pernambucana a marcaria para sempre, sendo também ressaltada de maneira poética e com grandeza de espírito em alguns de seus escritos. Os contos Restos de Carnaval, Cem Anos de Perdão e Felicidade Clandestina são relatos autobiográficos do tempo em que viveu no Estado. No primeiro desses três, ela divide com o leitor uma lembrança carnavalesca interrompida pela doença da mãe. “E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu”, escreveu, como boa pernambucana amante da folia.
“Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria”, continua, em determinado momento. Também neste conto ela se refere à casa familiar localizada na Praça Maciel Pinheiro, área central do Recife. O sobrado ainda resiste e teve seu tombamento deferido pela Secretaria de Cultura do Estado no último mês de setembro, um pedido que há muito vinha sendo cobrado pela população. “Ela mesma dizia que o Recife estava todo vivo dentro dela”, pontua Teresa. “O apartamento onde ela morava no Rio era decorado com muitas peças de artesanato pernambucano. E quando ela falava também tinha a entonação, ainda um leve sotaque nordestino”.
Clarice Lispector, nascida na Ucrânia, crescida no Recife, moradora durante a juventude do Rio e cidadã do mundo. O pop não poupa mesmo ninguém, mas em alguns casos essa estima popular faz jus à grandiosidade da obra do artista. O caso de Clarice é um deles.
Leia o artigo escrito pelo professor Luiz Carlos de Oliveira Silva, especializado em Literatura Comparada Aplicada à Literatura Brasileira e leitor há anos de Clarice Lispector:
"Dezembro Clarice
9 e 10 de dezembro, há um encontro marcado, nestas datas comemorativas, no calendário da nossa literatura brasileira, em que se faz referência a Clarice e assim, em um determinado dia, ela escreveu : No que precede o acontecimento é lá que eu vivo.
E como se fosse uma profecia, de fato aconteceu, Clarice Lispector 10 de dezembro, data de seu aniversário – aniversário este - no registro da vida, daquela que veria, a se tornar a maior escritora da palavra que em véspera de completar 57 anos ( 9 de dezembro) morria. Há exatos 40 anos, ela foi brilhar em outra galáxia, era finalmente (A hora da estrela ) esta escritora, russa de nascimento e brasileira de coração tem sido de constante objeto de pesquisas para seus admiradores e estudiosos, que defendem teses diversas, espalhadas pelo mundo inteiro, ingressar na sua narrativa é se permitir fazer uma verdadeira viagem, viagem esta que , fará você se deparar com um jogo– que poderá ser um labirinto de caminhos sinuosos e com certeza sair dessa experiência lhe fará tornar uma pessoa diferente, códigos e signos a aguçar a percepção de seus sentidos e por aí vai ! O ato de escrever nos transforma , Clarice é um convite ! Para que serve? a sua literatura . Algumas perguntas, sempre irão surgir em torno da sua narrativa, algo é certo , serve para você levar consigo, uma base para se apropriar de outras narrativas. Que tal ? Tentar entender esta escritora, mas, se ao mesmo tempo, determinada pessoa, não estiver predisposta a querer entendê-la ?! A escritora, Clarice alivia dizendo: Não se preocupes em entender, viver ultrapassa todo entendimento. E não o é?! Imagine por si só, há determinadas situações em nossas vidas que, passamos a compreendê-las, com o decorrer do tempo. Como é provocante esta Clarice, pois é ! Foi sempre assim. E sabes o por quê? Ela assim proferia: As palavras que digo, escondem outras? Quais? Um convite, leia (Clarice aprendendo a viver) da rocco, bem...os caminhos percorridos por você , vais te dar a oportunidade de conhecer, da melhor forma possível, a mulher que recebeu o melhor elogio por passar uma postura de beleza com elegância, como foi de uma elegância, especial com as palavras e que amava Recife e assim dizia: O Recife está todo vivo em mim! E Olinda, em especial adorava os banhos de mar, migrava da bela Recife, para Olinda, para sentir o gosto do sal do mar, uma atitude salutar para a saúde , recomendada pela medicina da época, assim, ela vinha na companhia de seu pai , viver este processo ritualístico, enfim, Clarice sempre foi, um enigma que nem a esfinge, conseguiu a decifrar, uma mulher das letras, enfim, Clarice a mulher da nossa literatura, na galeria dos grandes e também de grandes desejos, alguns até inexplicáveis, veio ao mundo para salvar a sua mãe, sentiu-se frustrada por não conseguir, desejos pelo livro (as reinações de narizinho) do admirável mundo do Lobato, diferente desse primeiro desejo citado, conseguiu, mas para isto teve que viver uma verdadeira odisseia, aventura esta que surgiram entre tantas outras, ver um texto seu publicado quando criança, foi uma dificuldade, ela não era objetiva, suas palavras eram só sensações, mas a verdade é que estas sensações, a levaram, há uma forma insigne de ser! Foi assim quando publicou seu primeiro livro (Perto do Coração Selvagem) diferente, sim, fugia do estilo de tudo que se tinha visto, de certa forma- especial – sim, escritora esta, de uma importância inovadora, enfrentou críticas de resistências, mas, faz parte! Mesmo assim seguiu em frente : Escrevo muito simples e muito nu por isto fere. Em seu universo das palavras sempre criou uma revolução, inovadora das letras brasileiras, sua literatura foi traduzida para diversas línguas – inglês, francês, alemão, italiano, espanhol e tcheco, provocando assim, fortes influências sobre inúmeros leitores e literaturas no mundo. Enfim, Clarice, sempre Clarice!"