No ano 2011
No dia 26 de março
Lula Côrtes avôou
E da Terra cortou o laço
Que o prendia à existência
Flutuou com paciência
Foi parar lá no espaço
De Jaboatão partiu
Trabalhou na prefeitura
Fez show até quando a voz
Funcionou dando gastura
Trabalhou no almoço e janta
Traído pela garganta
Não se entregou à amargura
Luiz Augusto Martins
Côrtes, o nome completo
Deste artista tão ímpar
De talentos tão repletos
Não fez questão de ser pop
Nem compôs forró-xarope
Eram outros seus projetos
Mal o caixão se deitou
Ele partiu, sem mistério
Pois pensou; “Lugar pra mim
Nunca foi num cemitério
Pois a lombra dessas almas
Nestas noites muito calmas
Vão me dar um revertério!”.
Dito isso, assoviou
Olhando pros matagais
Do além do horizonte
Das catingas siderais
Veio um bode insurrêto
Que tinha o pêlo tão preto
E montou nele o rapaz
E nisso um roqueiro inglês
De espectro alucinado
Seu nome era Syd Barrett
Do Pink Floyd, falado
Vinha voltando de Plutão
Com uns cogumelos na mão
Na sacola outro bocado
Quando olhou pra frente viu
Lula cavalgando um bode
Com seu casaco de pedra
E disse: “Como é que pode?”
Era um semblante sem ódio
Harpejando seu tricórdio!
“Por Deus valei-me, my god!”.
Lula viu e disse: “Syd
Ouvi muitos dos seus discos
Seu arranjar tão lisérgico
M´inspirou a fazer riscos
Pois eu canto, toco e pinto
Versifico o que eu sinto
Tirando da areia o cisco
Sempre quis fazer um som
Que fosse sensorial
Uni viola e guitarra
Com o canto do bacurau
E disso, conto pra tu
Nasceu o Paêbiru
Um álbum conceitual
Que lancei com Zé Ramalho
Em pleno 75
Eram os tais anos de ferro
Pra outros sopa de zinco
Abri cancelas da cuca
Tive idéias tão malucas
Nunca mais fechei o trinco!”
Mal apeou do seu bode
Gritou lá pra uma caveira:
“Zé do Osso tu conhece
O poeta Zé Limeira?”
“Conheço sim, não sou surdo
O home canta absurdo
De domingo a sexta-feira!”
Nisso Zé Limeira o viu
Pôs a viola na mão:
“Lula tocou no Nordeste
Cordel,Repente e Canção
Solou num martelo meu
O povo então conheceu
Versos do meu matulão
“Lula Côrtes quando chega
Caititu dá um arroto
As ponte se dispinguela
A baba m´insopa o gôto
A rainha da Alemanha
Se impanzina de castanha
Tomando mingau de esgoto”
Zé Limeira fez a trova
E desceram duas lapadas
Com pouco estava a cachaça
Nas mentes desocupadas
Viu-se então ao longe da Terra
Se ardendo em mais uma guerra
Sendo cuspida e escarrada
Mais a frente Lula viu
Em volta de uma fogueira
Marcone Notaro, Israel
No chão mesmo, sem cadeira
Ao lado um galão de cana
E um cemitério de baganas
Por ali dando bobeira
Abraços, sorrisos, choro
Quando viu seus camaradas
Falaram de Alceu, Geraldo
Do começo dessa estrada
Mais perto de Orión
Torraram muito do bom
Lembrando das namoradas
Lembrou então de Sumé
Que desceu da estrela e veio
Ensinar aos nossos índios
Que a natureza é o seio
Por onde se elevar
E para os seus curar
A medicina é o meio
Conversando nessa roda
Seu olhar se esbuguelou
Quando viu o George Harrison
Do Sargent Pepper falou
Da cítara e do alaúde
Que ouviu na juventude
O beatle, então, lhe sacou
Num canto envolto nas nuvens
(Cara de noites insones)
Encontrou o fundador
Dos lendários Rolling Stones
Descolou um nargilê
Pôs o hash e então foi ver
O seu guru, Brian Jones
Falaram sobre o Marrocos
E da cultura dos mouros
Lula disse “no Nordeste
Todos vestidos em couros
O vaqueiros são, de cara,
Tuaregues do Saara
Onde a água vale ouro”
A festa foi se encorpando
Rolando o bom rock ´n´ roll
Se era o céu ou inferno
Claro ainda não ficou
Pois a noite era tão turva
E onde vento faz a curva
Quem foi lá nunca voltou...