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Um voo ao som de Dumbo, com Stela Campos

Cantora paulista lança primeiro disco em inglês tirando canções do fundo da gaveta

Do JC Online
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Publicado em 22/12/2013 às 8:48
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Apaixonada por Johnny Cash, Stela Campos é fissurada em folk, rock e psicodelia, estilos que predominam em Dumbo, seu quinto disco, recentemente lançado de forma independete. Para a cantora paulista, os anos vivido em Pernambuco no auge do Movimento Manguiebeat abriram sua cabeça e definiram a artista que é, livre, sem amarras. Confira na etrevista a seguir.



JORNAL DO COMMERCIO - Por que você resolveu tirar da gaveta essas canções. Elas vieram como consequência do nobo material inédito?
STELA - Na verdade, foi mais o contrário. Eu tenho um excedente de músicas em inglês guardadas, pois nos meus outros discos me preocupei em priorizar o idioma nacional. Elas acabavam ficando de fora meio a contragosto, mas para mim nunca se tornaram material descartado,porque gostava muito de algumas. Mas eu também tinha umas novas que queria gravar e que se encaixavam no projeto, tanto pelo som, quanto pelo fato de serem canções em inglês.  
  
JC - Fazia muito tempo que você não escutava essas músicas? Onde você guardava esse material?
STELA - Algumas sim, muito tempo. Tem coisa de 1996, 1997, de quando eu morava aí. Nem lembrava que existiam. Desde que comecei a compor gravo esboços e não jogo nada fora. Então tenho muita coisa guardada - em fitas k7, CDs. Guardo tudo em gavetas, então elas ficam literalmente "engavetadas". Tem muita coisa gravada no computador também. Hoje o risco é maior,porque ele já pifou
algumas vezes e eu perdi várias músicas.
 
JC - Por que você resolveu gravar em inglês? Ou, dito de outra forma, por que você quase não gravou nos seus outros discos
cantando no idioma de Lennon & Dylan?
STELA - Num ponto da minha carreira, depois de muita tentativa e erro, as letras em portuquês começaram a funcionar - e acho que ficaram melhores com o tempo. Isso vem da minha parceria com o Luciano Buarque e também esta relacionada ao fato de eu ter expandido minhas influências para além da lingua inglesa. Como artista brasileira, achei importante priorizar essa evolução. Mas compor em inglês sempre foi natural para mim. E muito prazeroso, pois o idioma tem uma qualidade "elástica", por assim dizer, que é muito apropriada para o folk, o blues e o rock - minha formação musical. Eu nunca deixei de compor em inglês, apenas fui arquivando esse material. Daí vem a urgência pessoal de fazer o Dumbo.   

JC - Por que as letras de Dumbo estão mais confessionais e são menos crônicas urbanas? São de certa forma um balanço de vida?
STELA - As letras em inglês, de certa forma, nos dão mais liberdade para escrever coisas pessoais. Sim, elas fazem um balanço da vida, mas não só da minha. Nesse disco, falo sobre sentimentos como os quais as pessoas se identificam e conseguem fazer conexões com suas prórpias experiências. A melancolia, o tédio, a desilusão amorosa, a rotina, a rebeldia, a fuga, tem um pouco de tudo ali.

JC - Como foi atualizar os arranjos ou mesmo as letras das músicas? Qual a diferença em compor algo do nada?
STELA - Em alguns casos, foi como fazer covers de mim mesma. Mas não havia arranjos, só ideias brutas. Então, tudo foi feito como um disco novo, partindo do zero. E o mesmo aconteceu com as letras, em muitas existiam alguns esboços de refrões e só. Todas foram escritas ou finalizadas em 2012.

JC - De 1999 para cá foram apenas cinco discos. Você tem justificativa para esses hiatos? Você compõe devagar ou é por causa de seu grau de exigência com o próprio trabalho?
STELA - Componho com facilidade, isso nunca foi um problema. Quando fomos escolher o repertório de Dumbo, por exemplo, eu tinha mais de 30 músicas que poderiam ser trabalhadas. O acabamento das músicas leva tempo, a escolha, a finalização das letras etc. Mas
o que na realidade faz o processo demorar é o fato de eu ser uma  artista independente. Eu poderia gravar um disco por ano,
não faltam ideias, mas como tenho que bancar os projetos, preciso de um intervalo maior para me recapitalizar.Os hiatos então
acontecem porque preciso tornar a coisa viável pro bolso.
 
JC - A cada disco que você grava parece que um é continuidade do outro, como se estive construindo camadas. Por que você prefere
esse caminho e não optar pela ruptura?
STELA - Eu não penso muito sobre isso, na verdade. Vou seguindo o instinto, o que estou fazendo e experimentando naquele momento. Acho que meus discos têm pequenas rupturas, que gradualmente vão apontando para novos caminhos. Eles são bem diferentes entre si, pois os processos de gravação mudam de um para o outro, alguns levaram muito tempo, outros foram feitos mais rápido. Os músicos que participam são diferentes, cada disco tem sua prórpia história. Mas como se trata de uma obra autoral, sempre vai existir uma marca pessoal que liga as coisas. Especialmente o primeiro, Céu de Brigadeiro - em relação ao que eu fazia com o Lara Hanouska, que
era uma banda centrada nas guitarras significou uma grande mudança. Mas ruptura, num sentindo mais radical, só acontece quando tem de acontecer. Senão soaria forçado.

JC - O folk rock está presente em várias canções. De onde vem essa tua paixão pelo estilo?
STELA - Folk e rock sempre estiveram muito próximos e isso faz parte da minha formação desde a adolescência. Mais tarde descobri coisas como Nick Drake e Vashti Bunyan, que me influenciaram muito no som de Dumbo. Mas Johnny Cash é o centro de tudo. Sempre tem uma nova velharia dele rolando aqui em casa. E ele gravou uns 100 discos. O repertório dele é muito mais que um
resumo da história da música folk.
 
JC - No disco há uns toques meio psciodélicos, meio George Harrison. Foi você quem propôs ou surgiu do trabalho coletivo com a banda?
STELA - Todos os meus discos são resultado de trabalhos coletivos. Mas eu sempre trazia uma pré-produção caseira muito bem definida, que não mudava tanto no resultado final. Em Dumbo foi diferente, pois as demos eram mais cruas. Só voz e violão, na maioria. Isso deu mais liberdade para os músicos viajarem nos arranjos. Meu papel foi mais de cantora, compositora e supervisora. Ter à disposição Clayton Martin (Cidadão Instigado), Léo Monstro (Lulina) e metade dos Supercordas (o multi-instrumentista Diogo Valentino, que produziu e mixou o disco e o Filipe Giraknob) facilitou meu trabalho. Mas tive a autonomia para vetar, refazer e deixar tudo exatamente como queria. A pscodelia, na verdade, sempre está presente no meu trabalho, porque eu adoro. Sempre abusei dos delays nas guitarras, dos backings reverberados, tanto em show como quando gravo em casa, sempre fui adepta dessas viagens sonoras.   

JC - As músicas que ficaram de fora são justamente os rocks mais pesadas e soturnas. Normalmente você toca vários instrumentos, além de compor e fazer arranjos. Neste disco, o trabalho está mais dividido e você aparece mais como cantora e compositora. Foi uma opção sua?
STELA - Não foi tanto uma opção. Apenas aconteceu. Gravei as bases e as vozes guias em junho de 2012, antes de sair de férias, com intenção de começar o trabalho de verdade na volta. Mas ainda estava na praia quando o Diogo Valentino me mandou as versões que ele, o Mancha Leonel ( Bonifrate) e o Felipe Giraknob (Supercordas) estavam fazendo. Tudo soava irretocável e eu só tinha que agradecê-los pelo que acrescentarem e pela grande justiça ao material.
Quanto as canções mais pesadas/soturnas: sim, a gente tinha uma parte do repertório que chamávamos de "Mogli", de brincadeira. Não eram canções pesadas, propriamente ditas, mas faixas mais ácidas, na linha de "Take Me Back To Planet Earth", que foi a única que acabou entrando em Dumbo. Mas também havia outros folks. Nossa ideia inicial era fazer um disco duplo, mas o orçamento dele não coube no bolso.

JC - Você pensa em lançar as outras quatro músicas que sobraram do vinil como bônus?
STELA - Sim. Vai rolar um EP com as sobras e outras coisas mais. Só estamos esperando a hora certa para lançar.

JC - Como foi a experiência de dividir a realização do clipe de Work com a cineasya Maria Clara Escobar? Pretende seguir este caminho? Pretende lançar uma coletânea ou um DVD ao vivo?
STELA - Eu pretendo continuar fazendo clipes caseiros, sem grandes pretensões. Já o formato DVD ao vivo é coisa pra quem tem suporte de gravadora grande e, para falar a verdade, nem me interessa tanto. A maioria desses Cds/DVDs ao vivo são muito burocráticos; feitos só para atender a uma exigência de mercado. Prefiro os 'ao vivos' à moda antiga, quando eles eram episódios isolados e especiais - não essa coisa banal de hoje em dia.

JC - Você ganha a vida como jornalista. Em que momentos a música está na sua vida profissionalmente? Você acredita que em algum momento vai se dedicar apenas à música?
STELA - Gostaria de me dedicar só à música, mas preciso pagar as contas. Viver de música no Brasil é muito complicado se você não se encaixa em certos padrões. Faço música por idealismo mesmo. Se algum dia eu conseguir tirar um lucro substancial disso vai ser ótimo, mas sou bem pé no chão quanto a isso.
 
JC - Você viveu o auge do manguebit no Recife, mas seu trabalho sempre teve uma pegada diferente, mais pop e sem sotaque regionalista. A música pernambucana não lhe contaminou ou contaminou de que maneira?
STELA - A música pernambucana me contaminou, certamente. Mas tem coisas que não estão em seu DNA e que vão soar forçadas se você tentar fazer. Por exemplo, adoro a M.I.A., mas não sei cantar rap, nem tentando. É a mesma coisa com o maracatu, com o coco de roda etc. Mas tem elementos melódicos que eu absorvi daí que talvez um dia ainda resultem em alguma coisa. Adoraria gravar com um rabequeiro, por exemplo. Já gravei com Nido do Acordeon e foi incrível.
 
JC - Depois desses tantos anos, como você vê aquele período em que viveu no Recife?
STELA - Foi uma época de muita festa e aprendizado musical. O contato com tanta música diferente abriu minha cabeça e definiu a artista que eu sou hoje, sem amarras estéticas. Foi muito bom.

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