Se em seu disco de estreia em carreira solo Siba Veloso dialoga com uma vertente roqueira que fez parte de sua formação musical, em seu segundo disco, De baile solto, que é lançado nesta quarta-feira (13) em seu site oficial, o músico retoma os ritmos da música pernambucana como elemento central de seu trabalho, enquanto faz um convite claro para a dança.
Com músicas soltas, abertas e orgânicas, o músico reverencia a cultura popular, principalmente através do maracatu de baque solto, da ciranda e do cavalo-marinho, para construir um diálogo entre sua guitarra e a música de rua, que aparecia em segundo plano no trabalho anterior. “Eu não chamaria o Avante de uma libertação, mas é um disco mais denso e intimista, ao mesmo tempo em que é uma retomada da guitarra que me formou como músico. E agora, em De baile solto, há uma retomada à essa referência rítmica local”, fala o artista sobre o seu trabalho em entrevista ao JC, por telefone.
Com uma historia completamente ligada à Zona da Mata Norte de Pernambuco, e com relação ainda mais íntima com cidade de Nazaré da mata, onde residiu entre 2001 e 2005, Siba conta que sua relação com o maracatu rural define seu trabalho. “Tudo o que eu fiz até hoje é ligado à Mata Norte: a rabeca era uma referencia do cavalo-marinho, a minha relação poética e oral tem tudo a ver com minhas práticas do maracatu. Eu sou um artista formado na Mata Norte”, define.
Segundo ele, esse é um ponto de vista privilegiado que norteia sua obra, pelo fato de poder conhecer uma cultura que vive à margem e, ao mesmo tempo, é poderosíssima, dinâmica, rica e atual: “E a relação que ela tem com o mundo, o potencial estético criativo e social também, porque são práticas que acolhem e oferecem essa relação de dinâmica ao seu praticante.”
Mesmo distante – atualmente ele mora em São Paulo –, a sua relação com esse ambiente e, principalmente, com os mestres da cultura popular da Mata Norte, com os quais divide palco no projeto paralelo Siba e a Fuloresta, é constante. Uma ligação tão íntima e intensa que guia seu processo de composição, num caminho que parte sempre da poesia para a música.
“É um modo de fazer que eu aprendi diretamente das tradições de poesia oral que eu pratiquei. Qualquer repentista, mestre de maracatu ou cirandeiro usa esse mesmo processo. Ele parte do texto ou de uma música que já existe e pensa em um certo formato de texto”, explica o músico.
Se em Avante a guitarra é sua segunda voz, em De baile solto a percussão é seu coração. Os baques entram no disco como elementos de pura excelência da música de rua – ou dos terreiros –, costurando as poesias e rimas cantadas em cadência. “Não que tenha só percussão desses ritmos, mas é ela quem costura as músicas. Você não distingue muito bem a bateria da percussão, porque a bateria foi pensada em função da percussão e do efeito que essa relação causa. A princípio seria construído só de percussão.”
Essa mudança aparece claramente nas capas dos trabalhos. Na sua estreia solo, a guitarra surge como protagonista; já no segundo trabalho ela dá espaço aos elementos do maracatu, na figura de uma calunga, uma entidade maracatuzeira. “É uma referência explícita ao maracatu de baque solto. E, ao mesmo tempo, ela mostra uma figura que não existe no maracatu”, explica.
“É uma figura andrógina que define minha imagem no disco: um maracatuzeiro deslocado do mundo, que não aceita a posição que ocupa no mundo. É uma declaração clara de que a situação do maracatu não é aceitável, ele não ocupa a função de poder que deveria,” declara Siba.
REFLEXÕES SOBRE O MARACATU
Após abordar aspectos mais pessoais e intimistas em Avante, Siba parte agora para uma crítica sobre a posição do maracatu de baque solto no panorama cultural brasileiro. Em suas 12 músicas, De baile solto elabora um discurso poético embalado por rimas de tom político. A retomada do maracatu e da ciranda na musicalidade vem somada a um questionamento e uma reflexão sobre o “lugar desprivilegiado” que esses ritmos ocupam no nosso panorama político e cultural.
“No meu entender, essas tradições são modos de fazer e de se conhecer através da música, da poesia e da dança, e têm muito a oferecer dentro desses questionamentos”, pontua Siba.
Dialogando diretamente com a história recente do maracatu, e as repressões sofridas em seu local de origem – alguns grupos chegaram a ser impedidos de ensaiar na Mata Norte – , o disco trata, principalmente, das posições políticas e culturais que cabem ao folguedo, eleito como ícone das tradições populares.
“Vossa excelência, nossas felicitações/ É muito avanço, vivas as instituições/ Melhor ainda, com retorno de milhões/ Meu deus do céu, quem é que não queria?/ Só um detalhe, quase insignificante:/ Embora o plano seja muito edificante/ tem sempre a chance/ de alguma estrela irritante/ amanhecer irradiando o dia”, diz a música Marcha macia, que inicia o disco.
“Eu acho que isso aponta para uma relação de força, até mesmo sobre o momento que o País passa. Chegamos em um momento mundial de desenvolvimento, modernidade e urbanização, e corremos o risco de se igualar aos maiores países do mundo em suas problemáticas e limitações”, afirma. “E a gente faz isso tendo os recursos naturais necessários para se sentir rico, e como propor, com essa riqueza, uma nova política de ação”, arremata.