MÚSICA

Kendrick Lamar capta zeitgeist do negro na era Obama

Em disco líder de indicações do Grammy, rapper convoca a tomar o poder

GGabriel Albuquerque
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GGabriel Albuquerque
Publicado em 08/12/2015 às 5:48
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Em disco líder de indicações do Grammy, rapper convoca a tomar o poder - FOTO: Divulgação
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Em 1995, Dr. Dre e Tupac foram à cidade de Compton, California, para a gravação do videoclipe de California Love. Kendrick Lamar, com apenas oito anos de idade, presenciou tudo e foi intimamente marcado pela presença dos dois mestres do hip hop. Vinte anos depois, Kendrick é que se torna a voz principal do rap. Junto com Taylor Swift, lidera as indicações do Grammy 2015 concorrendo em 11 categorias. 

Com Good Kid, M.A.A.D. City (2012), seu primeiro álbum lançado por uma grande gravadora, Kendrick mostrava uma narrativa complexa e detalhada em crônicas do Compton, subúrbio onde cresceu. Além de vastamente aclamado pela crítica como um dos melhores discos da década, o trabalho produzido por Dr. Dre rendeu ao rapper um disco de platina e o levou ao sucesso mundial. 

O novo álbum, To Pimp a Butterfly, expande o universo poético e musical de Kendrick ainda mais. Lançado em março, o disco captou o zeitgeist das recentes manifestações e tensões raciais nos Estados Unidos. Nesse contexto, Kendrick Lamar, agora representante mundial do rap e dos negros, é afligido pela dúvida e certo complexo de mártir (advindo da sua grande influência cristã). Ele luta contra seus demônios e contradições interiores: a violência contra os negros atingiu um ponto crítico, mas como tomar a frente se ele próprio é apenas um homem comum, cheio de defeitos?

A vertiginosa é uma cascata de culpas e auto-acusações, como ter abandonado as origens de seu bairro pobre e não estar junto do seu amigo/irmão Deuce-Deuce quando este foi assassinado. "Eu te digo, seu fracassado: você não é nenhum líder", canta em martírio com a voz embargada sob barulhos de bebida e um trompete jazzístico.

i, seu contraste, é a explosão de ego, amor próprio e confiança em meio à "guerra lá fora, bombas na rua, armas e multidão de policiais". King Kuta e a raivosa The Blacker The Berry são outra parte de seu empoderamento, proclamando-se um rei negro que não aceita mais ser vítima, mantendo acesa uma esperança no por vir enquanto age no agora.

O conflito psicológico de Kendrick é desenhado por narrativas fragmentadas com quebras rítmicas bruscas que quebram linearidades. Enquanto Good Kid seguia um realismo de detalhes extremos e precisão meticulosa, To Pimp a Butterfly tem espaços mais abertos e uma visão translúcida, incerta. É a batalha íntima e impressionista de Lamar. 

Kendrick potencializa seu quadro particular para traçar um quadro do negro na era Barack Obama, entrelançando-se também à linhagem da black music. Marcado pela sua viagem à África do Sul, em 2014, o rapper agora incorpora arranjos de soul e funk ao seu som. Tanto na música quanto no clipe, i faz referência direta ao show em que James Brown, um dia após o assassinato de Martin Luther King, mandou mensagens de paz para acalmar os ânimos revoltados da população – episódio que virou a biografia O Dia em que James Brown Salvou a Pátria). Wesley's Theory tem participação de George Clinton (fundador do Funkadelic) e usa trechos de Every Nigga Is a Star, clássico soul sobre emponderamento negro do jamaicano Gardiner.

Na faixa de encerramento Mortal Man, Kendrick usa uma antiga gravação de Tupac e faz uma entrevista com o fantasma do ídolo e símbolo do rap."Nesse país um homem negro só tem chance de mostrar sua força máxima por uns cinco anos. Quando você chega aos 30, eles tiram sua alma e coração. Os manos estão cansados de ficar roubando lojas e da próxima vez vai haver um verdadeiro motim", diz Tupac. Kendrick lhe faz mais uma pergunta mas ele desaparece sem deixar resposta. Nesse ínterim, a polícia assassina negros em Ferguson e Baltimore. Republicanos, Democratas e as gangues do Compton são peças de um mesmo tabuleiro. Lamar convoca os irmãos a mudar o jogo e tomá-lo para si. 

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