Já era quase meia-noite no dia 2 de março de 1996 quando o jatinho Learjet modelo 25D, prefixo PT-LSD, chocou-se contra a Serra da Cantareira, em São Paulo. Numa tentativa frustrada de arremetida, o fenômeno Mamonas Assassinas foi dizimado. Na manhã do domingo, a notícia acordou o Brasil. Em casa, milhares de pais enfrentaram a dura responsabilidade de explicar que Dinho, Samuel, Sérgio, Júlio e Bento tinham morrido para crianças que, de tão novas, sequer compreendiam a profundidade da morte. Naquele dia o riso virou choro. A Brasília Amarela fechara as portas. “Eu tinha seis anos, morava na casa da minha vó. Quando entrou o plantão da Globo e confirmaram que estavam todos mortos, ela me tirou da sala”, recorda a jornalista Íris Garbuglio, 26 anos. “As imagens dos destroços eram muito fortes. Lembro de ter chorado muito”, diz.
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Apesar das letras de duplo sentido e do tom escrachado, a banda paulista cativou grande a criançada dos anos 90. “Eu cantava sem nem saber o que era. Tipo: ‘Comer tatu é bom, que pena que dá dor nas costas’. Não entendia o nexo que tinha em comer alguma coisa e ficar com as costas doendo”, lembra a radialista Élida Freitas, 26 anos. Dentro de casa, as canções eram um tabu: as crianças especulavam sobre o sentido das palavras, a maioria dos pais se esquivava das respostas. “Meus pais desconversavam. Eu pensava que eles não entendiam também”, confessa Élida. Mesmo quando as respostas vinham sem rodeios, o contexto não fazia sentido: “Eu tinha 10 anos e perguntei a minha mãe o que era suruba. Ela respondeu sem titubear: era um monte de gente fazendo sexo. De qualquer forma eu não entendia a conjuntura”, explica o advogado Steel Vasconcellos, de 29 anos.
O legado da banda se restringe a sete meses de sucesso, um álbum de estúdio e três milhões de cópias vendidas no Brasil. A memória, no entanto, é perene. “Foi há 20 anos e eu ainda sinto vontade de chorar. É uma lembrança que ficou marcada na cabeça de quem era muito pequeno”, relembra Íris.
O disco Mamonas Assassinas, lançado no dia 23 de junho de 1995, passou despercebido nas lojas, mas estourou nas rádios no dia seguinte com a canção Vira-Vira. O grupo consagrou-se com o álbum de estreia, o primeiro no Brasil a atingir 25 mil cópias vendidas em apenas um dia. Dali por diante, os meninos de Guarulhos tocariam sete dias por semana e percorreriam praticamente todo o País em uma turnê exaustiva, com apresentações em 25 dos 27 Estados brasileiros. O cachê do grupo tornou-se um dos mais caros do país, variando entre R$ 40 mil e R$ 100 mil. Na época, os cofres da EMI tilintaram. A empresa faturou cerca de R$ 80 milhões com a banda.
Com a simpatia do público, seus shows quase sempre tinham lotação máxima. “Eles tiveram uma identificação com o povo brasileiro. As pessoas se viam nos Mamonas, por serem garotos simples da periferia que tinham alegria e vontade de vencer”, afirma Rick Bonadio, produtor do disco. Bonadio, que foi apelidado pelos meninos de Creuzebek, avalia: “Ninguém vai conseguir fazer humor em música tão bem quanto os Mamonas. Até mesmo porque, hoje, não há liberdade para fazer tanta piada com tudo”. Hoje, 20 anos após a trágica morte, as músicas da banda continuam vivas.
Segundo pesquisa do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), entre 2004 e 2015, as canções mais tocadas do grupo (em casas de shows, boates, rádio e sonorização ambiental) foram Pelados em Santos, Robocop Gay e Vira-Vira. “Mamonas faz parte da memória sentimental dos anos 90. Eles não eram uma banda infantojuvenil e as letras eram censuradas para crianças, mas queríamos vê-los vestidos de super-heróis, de Pernalonga... qual criança daquela época não lembra daquele dia cinzento?”, pontua Élida.