HOMENAGEM

João Rogério Filho fala sobre Naná Vasconcelos

O fotógrafo João Rogério Filho comenta a amizade com o percussionista pernambucano

João Rogério Filho
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João Rogério Filho
Publicado em 12/03/2016 às 4:40
João Rogério Filho/Divulgação
O fotógrafo João Rogério Filho comenta a amizade com o percussionista pernambucano - FOTO: João Rogério Filho/Divulgação
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Lá pelas quadras dos 1970, Naná achou por bem atracar em Paris. Foi convidado pelo governo francês a dar aulas de música em uma escola para crianças especiais. Tentou, durante vários dias, trazê-los para sua musicalidade. O máximo que conseguiu foram vários instrumentos quebrados, além de perceber que as crianças nada mais faziam do que se “baterem”.

Fez disso um mote.

Observador como poucos, descobriu que, na verdade, aquela era a forma como as crianças, à maneira delas, faziam música. E começou a tocar no corpo, tal como elas faziam. 

Daí nasceram, além de uma linda orquestra de crianças percussionistas, um instrumento percussivo próprio, que arrebataria a crítica mundial com elogios rasgados ao uso dos sons orgânicos no álbum Dança das Cabeças, que gravaria poucos anos depois com Egberto Gismonti.

Essa estória, que me contou em conversa séria que tivemos sobre assunto que me tocava, representa para mim, um dos melhores ensinamentos que recebi de Naná: a arte de escutar. O incansável exercício da observação.
Numa brincadeira do Sr. Destino, quis a vida dividir a minha relação com Naná em três vertentes. O fã, o prestador de serviços e o amigo.

Como fã desde a adolescência, essa aproximação me trouxe apenas a exceção à regra poética de que “de perto ninguém é normal”. Quanto mais me cheguei, mais admirei sua generosidade, talento, firmeza e capacidade de encontrar soluções simples para questões complexas e polêmicas. Um homem capaz de tratar com igual atenção e deferência um grupo de meninos de comunidade carente ou uma grande estrela internacional.

Como prestador de serviços, aprendi a respeitar ainda mais a hierarquia e o momento de cada um. Foram diversos ensaios ou apresentações em que podíamos não trocar uma palavra sequer, ou  passar longo tempo assuntando a vida. Pensava eu que sempre deveria caber a ele tomar a iniciativa. Isso para mim era o certo. Ainda em outras ocasiões, me chamou para conversarmos por horas sobre o arranjo que estava fazendo para alguma gravação ou mesmo pedir que elaborasse o roteiro de uma audição. 

Essa convivência mista me ensinou a ‘compartimentalizar’ a relação e, acima de tudo, a entender: o fato de estarem em nossas vidas, por vezes de forma involuntária, não nos dá o direito de transgredir a barreira da privacidade e da conveniência com os artistas e ídolos.

Como amigo, foi um grande amigo. Atencioso e delicado. Presente e preocupado. Bom de garfo e brincalhão. Marido e pai dedicado. Jamais deixará um vazio, e sim, uma sensação de plenitude e privilégio por poder termos desfrutado de tão especial companhia neste plano.

No Natal do ano passado, depois de umas duas semanas sem nos falarmos, recebi uma mensagem de voz de Naná dizendo que “esse silêncio é prenuncio de coisas boas, só pode ser. Peço a Deus que seja assim, Amém e Amem”. 
Amém.

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