NOVO ÁLBUM

A melancolia do Máquinas e a nova música de Fortaleza

Banda lança primeiro álbum e revela-se expoente da renovação da cena musical da cidade, terra da Cidadão Instigado

GGabriel Albuquerque
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GGabriel Albuquerque
Publicado em 05/06/2016 às 7:00
Foto: Taís Monteiro/ Divulgação
Banda lança primeiro álbum e revela-se expoente da renovação da cena musical da cidade, terra da Cidadão Instigado - FOTO: Foto: Taís Monteiro/ Divulgação
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Freud, o pai da psicanálise, entendia a melancolia não como um distúrbio ou mero transtorno do humor. Para ele, tratava-se de um luto pela perda da libido, ausência de pulsão de vida. Por outro lado, numa famosa máxima do romance Os Trabalhadores do Mar, Victor Hugo denota a observa que “a melancolia é o prazer de estar triste”.

Este sentimento e sua qualidade ambígua tange uma considerável parte dos lançamentos da novíssima geração do rock independente no Brasil, como os mineiros Jonathan Tadeu, El Toro Fuerte e Lupe de Lupe, os cariocas do Gorduratrans, os paulistas do Raça e Ombu e os pernambucanos da Amandinho – todos englobados na tag meio auto-irônica “rock triste”. Contudo, são os cearenses do Máquinas (eles assinam sem acento e em letras minúsculas) que põem a melancolia como ponto central. Lançado esta semana pelos selos Bichano (RJ) e Transtorninho Records (PE), o álbum Lado Turvo, Lugares Inquietos é sobre a perplexidade diante do esgotamento emocional e psicológico que nos rasga cotidianamente.

A temática, no entanto, não foi um movimento calculado. “Nunca teve essa coisa deliberada, sempre foi bem natural. O título Lado Turvo, Lugares Inquietos foi a última coisa que surgiu. Cada um trazia suas letras e as músicas, os arranjos eram criados coletivamente. No final a gente percebeu que naturalmente foi criado um fio condutor entre as músicas. Pode-se dizer que seja algo da tristeza, embora eu nem ache que seja algo exatamente triste. Pra mim é sobre a melancolia cotidiana da vida de cada um, de como a gente enxerga certos momentos”, diz Allan Dias, baixista e vocalista. 

“O disco tem uma visão melancólica não só dos lugares pequenos (ou inquietos, como a gente chama), mas também da cidade de Fortaleza. A gente percebeu que as músicas falavam muito de lugares, mas não lugares simbólicos e sim cotidianos. É a nossa casa, o quarto... Enfim, caminhos bem usuais da sua vida, mas que apesar de serem aparentemente lugares em que você se desprende de problemas, na verdade acabam sendo mais conflitantes, onde você se encontra consigo mesmo e acabam sendo lugares bem inquietos”, completa ele, explicando a concepção do trabalho.

“Os temas que cercam a música têm muito a ver com desconforto e solidão. A gente fez até meio sem querer”, conta o guitarrista e vocalista Roberto Borges. “A ideia do ‘lado turvo’, pra mim, é algo muito de sonoridade também, a coisa das guitarras arrastadas... E ‘lugares inquietos’ acho que vem de um lugar de desconforto, tanto no subjetivo quanto no sentido objetivo de lugares”, reflete.

Em comparação ao seu elogiado EP de estreia Mofo (2014), neste novo disco o Máquinas flutua pelo impalpável, acentuando uma atmosfera onírica. Primeiro single e faixa motriz no álbum, Zolpidem (uma referência ao fármaco hipnótico usado no tratamento da insônia) sublima delírio e confusão. Uma voz ecoa: “e enquanto a chuva escorria pelas escadas,/ o tempo parecia ter desaparecido/ as ruas vazias começavam a tremer”. Durante todo o álbum, o Máquinas parece jogar com imagens translúcidas do fundo da inconsciência. O canto é nebuloso, entendido somente como fragmentos distantes, enquanto o instrumental move-se em dissolução, ameaçando esvanecer a qualquer momento.

Os arranjos são erguidos em camadas de distorção e efeitos. Com exceção da bateria, sempre firme e concisa, a estrutura parece líquida e ambígua, sempre escondendo algo – em alguns momentos, remete-se aos noventistas Unwound e My Bloody Valentine e à contemporânea E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante. Contramão inicia como um desabafo, mas vai seguindo em desvario junto ao som do saxofone de Gabriel de Souza, da banda conterrânea Chinfrapala.

“O saxofone casou muito bem com a estética e principalmente com a letra da música. Ele chega num momento que a letra leva a um desfecho que pode soar um tanto como um sentimento de arrependimento ou de derrota, talvez” comenta Allan. 

Gabriel agora ensaia com a banda para tocar nos próximos shows em todas as demais músicas, além de já estar entrando no processo criativo, completando o time com Samuel Carvalho (voz, guitarras e samples) e Ricardo Guilherme Lins (bateria), que substituíram, respectivamente, Eric Catunda e Tomas Dahas, que haviam tocado em Mofo. Para divulgar o lançamento, a banda pretende fazer uma pequena turnê pelo Nordeste. Um show no Recife está nos planos para julho.

A NOVA CENA MUSICAL DE FORTALEZA

O Cidadão Instigado foi a última grande banda gerada em Fortaleza, no final dos anos 1990 e início dos 2000. Mas a cidade está longe do marasmo artístico. O Máquinas se insere num contexto amplo de renovação da cena musical local. Além deles, destaca-se o post-rock instrumental da Fóssil (que já possui um EP e dois álbuns, mais três registros ao vivo) e Astronauta Marinho (que se apresenta no Recife dia 18 de junho, no Dia da Música, no palco organizado pelo blog Hominis Canidae), ambos calcados na experimentação de timbres e texturas sonoras. Mais próxima do indie rock e grunge, a Old Books Room tem um álbum (2014) e um EP (2015) gravados.

Há ainda um setor ligado à improvisação e experimentações mais radicais, proposta promovida principalmente pelo selo SuburbanaCo. Entre seus últimos lançamentos está Ao Vivo No Projeto Zuada do Salão das Ilusões, uma sessão de improvisação do diretor, ator e músico Uirá dos Reis com o pernambucano Thelmo Cristovam, do Hrönir.

Outro ótimo trabalho, também lançado pelo SuburbanaCo, é Bispo Clonazepam, segundo álbum solo de Rodrigo Colares (da Fóssil). O disco é construído por sintetizadores e samples e reflete sobre as tensões do Brasil do colonialismo até o presente, urgente e apocalíptico. Como indica o texto de apresentação, envolve “Economia desde 1991. Josué de Castro. José Sarney. Milton Nascimento. Etnocídio indígena. Chico Mendes. Latifundiários. Assassinos de aluguel. Sangue. Vale do Rio Doce. Crianças. O futuro”.

Transitando por um universo mais eletrônico, o Chinfrapala cria atmosferas sonoras ricas e imersivas. “Eles são ótimos porque em cada apresentação é uma banda nova. Um dia eles tão tocando com sopros, teclado ou coisa assim e de repente eles tão fazendo show só com computadores. É sempre uma experiência diferente”, celebra Allan Dias. “E tem ainda uma galera mais nova, que é o pessoal da Lotus e da Amiluze. Todas elas têm de alguma forma uma ideia que é baseada na experimentação mas cada um do seu jeito”, completa.

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