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Clássicos de Janet Jackson e Madonna completam 30 anos

Control e True Blue mudaram carreiras das artistas e o pop

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 21/06/2016 às 6:00
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Control e True Blue mudaram carreiras das artistas e o pop - FOTO: Reprodução
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Controle do próprio corpo, da própria voz e do seu destino. Em 1986, ser mulher era, em grande parte, vivenciar a privação desses direitos e ter que lidar com a opressão do patriarcado, a subjugação dos seus desejos aos do homem e ter sua perspectiva de carreira e futuro condicionada às mãos deles. Ser mulher era perigoso. Em 2016, ainda é. Essa talvez seja uma das principais razões pelas quais dois clássicos lançados há três décadas continuam tão atuais, não só pela sua qualidade musical, mas também pelo seu conteúdo. Control, de Janet Jackson, e True Blue, de Madonna, são álbuns desavergonhadamente femininos, que reclamam o poder delas de se expressarem a partir de seus próprios termos e regras.

Caçula da família mais célebre da música mundial, Janet Jackson cresceu sob as luzes do estrelato dos irmãos, que formavam o The Jackson 5. Na adolescência, buscou se afastar da indústria musical, investindo na carreira de atriz, mas foi obrigada por seu pai entrar no estúdio e “perpetuar” o império familiar. Sob a batuta dos irmãos, gravou os insípidos Janet Jackson (1982) e Dream Street (1984), que não causaram impacto e, pior, lançaram um peso negativo sob a carreira da artista.

Vale salientar, que, à época, Michael já era um fenômeno mundial, o Rei do Pop. Era o momento pós-Thriller e parecia não haver espaço para nenhum outro Jackson nas paradas. Foi então que, em 1985, Janet, fascinada com o som de Minneapolis, onde os produtores Jimmy Jam e Terry Lewis estavam “fazendo mágica” com Prince, ligou para a dupla e demonstrou interesse em trabalhar com eles. Joe Jackson tinha ojeriza ao som funkeado produzido pelo duo que, associados à imagem sexual de Prince, era tudo que ele não queria para sua caçula.

Aos 18 anos, recém-separada de um casamento secreto que durou meses, Janet voou para Minneapolis, se trancafiou no estúdio com Jimmy e Terry e só saiu de lá com o Control pronto. Para isso, demitiu o pai, que era seu empresário, e lançou o disco que logo a transformou em uma estrela do pop. Se ia ser cantora, que fosse nos seus termos e por sua vontade. A ambição era grande: ela queria um álbum que tivesse efeito similar ao de Michael e apelasse tanto para a audiência negra quanto para a branca (lembre-se: era 1986 e, assim como a misoginia, o racismo ainda era quase institucional nos EUA). E foi essa transição de barreiras sonoras/raciais que Control fez.

O grito de independência surgia já na abertura do disco, na faixa-título, com Janet pronunciando: “Esta é uma história sobre controle/Meu controle/Controle do que eu faço/ Você está pronto?/Porque eu estou”. A retórica se aprofundava nas faixas seguintes, como Nasty e What Have You Done For Me Lately, sobre demanda de respeito à figura feminina. A balada Let’s Wait a While mostra a cantora impondo limites ao parceiro ao defender que o sexo só deve ser feito se e quando a mulher permite. 

O disco tem o som moldado por Jam e Lewis, mas é totalmente Janet, com co-autoria e co-produção dela em seis das nove faixas. É um disco autobiográfico e que revelava uma artista angustiada por se fazer ouvir.

Aliado aos vídeos com coreografias hipnotizantes, o álbum virou um fenômeno cultural e vendeu, desde o lançamento, 14 milhões de cópias, além de ter influenciado diversos artistas como TLC, Beyoncé e o próprio Michael, que buscou e Jimmy Jam e Terry Lewis. É também o marco zero para artistas pop na transição de suas carreiras da adolescência para a vida adulta, a exemplo de Britney Spears, Christina Aguilera e, mais recentemente, Selena Gomez.

Control é considerado um marco por mesclar pop, r&b e hip-hop, desenvolvendo um som que dominaria as pistas nas décadas seguintes, sendo eleito pelo Rock and Roll Hall of Fame como um dos 200 melhores álbuns de todos os tempos.

VIRANDO MADONNA

No mesmo ano em que Janet ganhava os holofotes, Madonna já era uma das cantoras mais badaladas, tendo emplacado hits como Holiday, Lucky Star, Material Girl e, principalmente, Like a Virgin. Suas incursões no cinema – apesar de altamente criticadas – renderam um romance com Sean Penn, que culminou em um casamento coberto à exaustão pela mídia. Madonna, que ascendeu brincando com o imaginário coletivo a partir da dualidade católica santa/pecadora, era agora uma mulher casada e imprimiu na sua música toda a ebulição amorosa, mas, claro, à sua maneira, ou seja, com ironias e jogos de imagem muito bem calculados.

True Blue é o reflexo desse momento e um ponto de virada na carreira da futura Rainha do Pop. Aliás, foi ali que seu nome começou a ganhar uma dimensão artística maior, com a cantora assumindo seu tom de voz mais grave e iniciando o flerte com o público adulto. As letras tornavam-se mais pessoais e reforçavam a habilidade de Madonna em criar refrões icônicos. A própria capa do disco, fotografada por Herb Ritts, dialogava com o conceito de pop art cravado por Andy Warhol, tensionando os questionamentos sobre arte e consumo que acompanhariam a artista ao longo de sua carreira.

O álbum delineou com mais clareza as ambições de Madonna enquanto artista, posicionando-a ao lado de Michael e Prince como os maiores expoentes do pop, ganhando respeito da crítica e do público, que antes a viam apenas como um ato para as pistas de dança (como se isso fosse um demérito). Canções como Papa Don’t Preach, que levava para a rádio a questão do aborto e da escolha da mulher sobre o seu corpo, ressaltavam o caráter político da diva, sempre alerta às questões do seu tempo, ao mesmo tempo em que se entregava aos meandros da paixão, como na faixa-título, uma ode às canções dos grupos femininos da época da Motown. 

São do álbum, também, os sucessos Open Your Heart e La Isla Bonita. A transição compensou: Live To Tell, grande balada do disco e também um marco na carreira da cantora por apresentá-la como uma artista madura, Open Your Heart, Papa Don’t Preach e a faixa-título foram direto para o número um das paradas e o disco se tornou o mais vendido de 1986 e da carreira da Rainha do Pop, com 25 milhões de cópias comercializadas.

POP É DELAS

Pontos de virada nas carreiras de ambas, os discos de 1986 foram também o início de uma sequência gloriosa de trabalhos para Janet e Madonna. Em 1989, ambas voltaram a lançar dois clássicos: Jackson o politizado Rhythm Nation, que a posicionou na dianteira do pop, superando momentaneamente até o seu irmão, e Madonna o célebre Like a Prayer. Os trabalhos posteriores delas tocaram em temas voltados à sexualidade feminina, abordando sexo, mas também amor, racismo, homofobia, machismo e o hedonismo. Em suas carreiras, Madonna e Janet abriram os caminhos para suas companheiras, muitas vezes sendo “apedrejadas” por suas posições vanguardistas. Sobre o legado de ambas, Anthony DeCurtis, no livro Present Tense: Rock & Roll and Culture, afirmou que elas produziam vídeos e músicas para e sob o olhar feminino, apontando ainda Nasty, de Jackson, como uma desconstrução da objetificação da mulher.

Ao longo da última década, no entanto, deram tropeções, tentando seguir tendências mais do que lançá-las. Mas, aí, há um outro elemento ditado pela cultura machista: às mulheres não é permitido envelhecer. No pop, então, se torna pecado mortal. 

Em 2015, ambas lançaram trabalhos de inéditas – Janet, o Unbreakable, e Madonna, o Rebel Heart – e colheram elogios justamente por reassumirem seu caráter de ícones. São trabalhos maduros, de mulheres que vieram, conquistaram e continuam apontando o caminho. São discos que falam sobre elas enquanto artistas e não soam como tentativas desesperadas de se manter relevantes. Elas podem até não provocar mais abalos sísmicos na música, mas a própria existência delas e a propriedade de sua arte são revolucionários em uma indústria e uma sociedade que insistem em querer colocá-las em segundo plano.

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