A menos de 15 dias dos 80 anos, Tom Zé, no camarim, nem parece que se movimentou durante uma hora, no palco do Caixa Cultural Recife, depois do show Tom Zé Canta Para Os Seus, mini-temporada que se estende até sábado. Não está suado, nem demonstra cansaço, esboça vitalidade. Nem olha para os canapés, frutas e sanduíches postos sobre uma mesa.
Pelo visto Tom Zé se alimenta de música, talvez venha daí toda energia que entusiasmou a plateia, no lotado auditório de 100 lugares do Caixa Cultural (os ingressos esgotaram-se assim que se abriram as bilheterias, com a fila formada às sete da manhã). A quase totalidade do público é de gente bastante jovem. Tom Zé fala a língua da rebeldia, da inquietude e da invenção.
Enquanto os companheiros de lida tropicalista há muito se tornaram mainstream, se pautam pelo bom comportamento, Tom Zé pode se sair com uma canção que tem o refrão “Vida, que porra”, ou cantar a geração Y, com quem troca e toca ideias. Ele cita Descartes, mas não poderia ser menos cartesiano. A cada canção, puxa uma longa conversa, em que a cidade natal, Irará (BA), é leit motiv : “De 1830, a 1940, um século com 3000 pessoas, Irará nunca aumentava, nem diminuía. A falta de condições de vida consumia a quantidade que nascia certinha”, comenta antes de Geração Y.
Estes shows “alternativos”, mais curtos, de Tom Zé são os mais deliciosos que faz com sua banda (Jarbas Mariz – viola 12 cordas, percussão, cavaquinho, vocal, Daniel Maia – guitarra, vocal, Cristina Carneiro – teclados, vocal, Felipe Alves – baixo, vocal; Rogério Bastos – bateria). porque destilam uma liberdade a que poucos dos seus contemporâneos se atrevem.
Até se segue um roteiro, mas que pode mudar a rota ao sabor do acaso, e do que vier na cabeça de Tom Zé, que recorre às histórias que se abrigam nos desvão da sua memória. Feito quando lembrou as parceria com Elton Medeiros, cuja mulher, que se chama Neusa, feito a mulher do próprio Tom Zé, enquanto os dois queimavam as pestanas, ela conferia o tempo inteiro se eles estavam mesmo compondo.
Fizeram duas músicas, para o álbum Estudando o Samba (1976), Mãe (Mãe Solteira), e Tô, esta última a que ele cantou com corinho da plateia, o que ocorreu durante quase o show inteiro, um apanhado de vários álbuns de Tom Zé. Com abertura de uma pequena janela para a cantora paraense Luê, afinada, com boa presença de palco, elegante e bonita, sua música, dançante, e pop, destoou do que Tom Zé vinha mostrando até então, mesmo cantando em dueto com ele, Vai (Menina Amanhã de Manhã, 1976, parecia com Perna).
SHOW SEM REGRAS
Esta quebra de estilo foi uma quebra de regras no show, sem regras, o que já é uma regra, e Luê com sua voz e seu violino foi a exceção à regra. Foram 71 minutos de puro deleite, onde não faltou nem a relação entre Tom Zé e a trilha de novela. Depois de 35 anos, ele volta a ter música em novela, no Velho Chico, Senhor Cidadão (com Augusto de Campos, 1971). Um show que confirma a relatividade do tempo, dando impressão de ter transcorrido durante alguns minutos. Tom Zé se alimenta de música, e é movido pela curiosidade, como canta em Salva a Humanidade (com Elifas Andreato).