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A história do primeiro disco brasileiro de música eletrônica

'Música Eletrônica', do maestro Jorge Antunes, é relançado pela espanhola Guerssen Records

GGabriel Albuquerque
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GGabriel Albuquerque
Publicado em 22/11/2016 às 9:41
Acervo Paulo Beto/ Reprodução Flicker
FOTO: Acervo Paulo Beto/ Reprodução Flicker
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Professor da Universidade de Brasília há 43 anos, o compositor e maestro carioca Jorge Antunes nunca parou de produzir e acumula um catálogo vasto que inclui muitas obras sinfônicas, música de câmara e duas grandes óperas. Mas o seu principal trabalho é antigo: o álbum Música Eletrônica (1975). Ainda que pouco conhecido entre o grande público, trata-se de um importante marco histórico: é o primeiro disco brasileiro de música eletrônica.

Depois de contatar Jorge Antunes no início do ano, a gravadora espanhola Guerssen Records agora relança Música Eletrônica em vinil. Antes disso, o disco havia sido relançado apenas em CD pela Academia Brasileira de Música, no ano 2000, e pelo selo nova-iorquino Pogus, em 2002, sob o título Savage Songs: Early Brazilian Electronic Music, que incluía ainda outras peças do maestro.

As iniciativas musicais de Jorge Antunes, antes de trabalhar com eletrônica e eletroacústica, tinham um viés de música nacionalista. A mudança vem em setembro 1961, quando ele assiste ao pianista David Tudor apresentar a célebre Kontakte, peça de Stockhaunsen. 

“Foi o primeiro concerto de música eletrônica já feito no Brasil, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, organizado pelo maestro Eleazar de Carvalho”, lembra Antunes. “Eu tinha 19 anos, só estudava violino, ainda não cursava composição. Na época eu trabalhava com eletrotécnica e radiotécnica pra ganhar meu dinheirinho, então já conhecia um pouco de eletrônica. No fim daquele ano, usando meu conhecimento e com ajuda de umas revistas de eletrônica, construí um theremin e um gerador de ondas dente de serra”, conta.

É aí que ele compõe Pequena Peça Para Mi Bequadro e Harmônico, sua primeira realização com música eletrônica. Também faz três peças entituladas Estudos Cromofônicos, que marcam o ínicio de sua pesquisa sobre a correspondência entre sons e cores - resultando num livro em 2011.

Dois anos depois, em 1963, Antunes já era estudante de composição da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Ele tinha receio de mostrar suas peças eletrônicas aos professores (“na época era tachado de maluco”), mas comentava sobre o assunto com os colegas. O professor Henrique Morelembaum acabou tomando conhecimento do trabalho de seu aluno e organizou uma apresentação para ele na Universidade. “Foi ótimo porque o pessoal não conhecia, não tinha ouvido falar. Do público não tinha quase ninguém da escola de música”, relembra. 

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Jorge Antunes e seus gravadores, em meados dos anos 1960 - Acervo Paulo Beto/ Reprodução Flicker
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Antunes e seus equipamentos eletrônicos: o Revox A77 e o Synthi A, em 1974 - Acervo Paulo Beto/ Reprodução Flicker
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Jorge Antunes é destaque no jornal Última Hora, em 1968 - Acervo Paulo Beto/ Reprodução Flicker
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Rolos de fita que Jorge Antunes enviou para as gravadoras, ao retornar do exílio - Acervo Paulo Beto/ Reprodução Flicker
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Contracapa do LP 'Música Eletrônica' - Acervo Paulo Beto/ Reprodução Flicker

Em 1966, o compositor Reginaldo Carvalho retornava ao Brasil depois de uma temporada em Paris. Reginaldo – que naquele mesmo ano havia produzido a curtíssima e despretensiosa peça eletroacústica Sibemol – assume o cargo de diretor musical do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Ele renomeia a instituição como Instituto Villa-Lobos e chama Antunes para trabalhar no local.

“Pascoal Carlos Magno (ator, poeta e teatrólogo) me apresentou a Reginaldo Carvalho no Festival de Arte contemporânea em 1966. Ele me contou que ia ser nomeado diretor musical e me chamou pra trabalhar com ele. Montamos o primeiro curso de música eletrônica do Brasil, que durou de 1966 a 1968”, relata Jorge Antunes.

A interrupção desse primeiro curso de música eletrônica do país aconteceu por motivos puramente políticos. Em 1968, com a assinatura do Ato Institucional nº 5, a ditadura militar ficou ainda mais pesada. Perseguiu, prendeu, sequestrou, torturou e matou subversivos e militantes contrários ao regime. Envolvido com política estudantil, com o Partido Comunista e organizando greves, Antunes foi imediatamente demitido do Instituto Villa-Lobos. “Foi abertamente uma demissão por causas políticas, primeiro em carta e depois pessoalmente. Naquela época toda instituição tinha um órgão que cuidava de vigiar e dar a ficha de cada funcionário. Eu precisava arranjar um jeito de dar o fora daqui (do Brasil)”. 

Ele consegue uma bolsa de pós-graduação em composição no Instituto Torcuato Di Tella, em Buenos Aires. Depois, ainda passa por Utrecht, na Holanda e Paris, França, só retornando ao Brasil cinco anos depois, no período de abertura política, em 1973. Antunes é convidado pela Universidade de Brasília para dirigir o Curso de Composição Musical – onde permanece até hoje.

Novos procedimentos na música brasileira

Quando retornou ao Brasil, Jorge Antunes já acumulava rolos de fita com gravações de peças suas realizadas no estúdio do Instituto Villa-Lobos, outras de Buenos Aires e mais algumas em casa, independentes. “Comecei a buscar gravadoras que pudessem se interessar em publicar o primeiro disco de música eletrônica. Recebi 15 cartas negativas e uma positiva da Mangione Discos. Mais tarde eu soube que fui recomendado por Francisco Mangione (maestro) ao Sr. Mangione, o dono da empresa”. 

O álbum Música Eletrônica utilizava ruído branco, feedback, loops, manipulação de fitas, vocais processados e tinha um caráter protominimalista influenciado por Iannis Xenakis, Pierre Schaeffer e Stockhausen. Valsa Sideral (1962) usa ecos e reverberação artificial e Contrapunctus Versus Contrapunctus (1962) é criada manipulando o som de fita magnética. A impactante Auto–retrato Sobre Paisaje Porteño (1969/ 1970) sampleia um antigo LP de tango, adicionando texturas eletrônicas e poesia sonora com vozes processadas também eletronicamente.

Estes eram elementos raros para a música brasileira até então. O álbum Electronicus (1974), de Renato Mendes, foi o único brasileiro a ganhar o prêmio Nidden, dedicado à música produzida por instrumentos eletrônicos. Porém, só apresentava versões de clássicos da MPB como A Banda e A Noite do Meu Bem tocadas por um sintetizador moog – ou seja, é um disco de sonoridade eletrônica, não de música eletrônica propriamente. Walter Smetak, Tom Zé e Caetano Veloso utilizaram essas técnicas, mas de forma mais pontual. E, diferente de discos como Todos os Olhos e Araçá Azul, Música Eletrônica foi bem recebido na imprensa. 

Até mesmo antes do lançamento do álbum, Jorge Antunes já era pautado por trazer ao Brasil a experimentação das vanguardas musicais europeias. O jornal Última Hora de 15 maio de 1968, por exemplo, anunciava em sua manchete: “Nova linguagem na arte: música eletrônica tem ruído de copo quebrado”.

“O disco vendeu todas as cinco mil cópias em um ano. A Mangione tinha um esquema de distribuição e divulgação forte. Saiu uma entrevista comigo em página inteira da Veja. Também deu na Folha, O Globo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Estadão”, conta Antunes. 

Além de três faixas bônus, o relançamento da Guerssen Records faz uma compensação histórica ao incluir as versões integrais de Historia de un Pueblo e Auto-Retrato. As obras continham trechos musicais com sons que se reportavam aos generais da ditadura militar ainda vigente e com a citação da Internacional Comunista. Na edição original de 1975, Jorge Antunes cortou essas partes para evitar novos problemas com os militares.

Assista ao documentário Maestro Jorge Antunes: Polêmica e Modernidade:

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